“Faça-se justiça, mesmo que o mundo pereça.”
Acabam de aprovar no Senado, por maioria tão avassaladora que dá impressão de terem perecido de vez os valores do mundo político, uma lei que disciplina um modo perfeitamente alternativo às concorrências públicas no Brasil.
Pela lei nova, a ser promulgada pela Presidente, quem decide uma concorrência pública não é mais o governante segundo os critérios da lei, porque ele, o governante, “é o juiz sem lei” – sejam quem forem, União, Estados e Municípios. Este é um tsunami corporativo para apropriação definitiva do já (institucionalmente) pobre Estado Brasileiro, pela atual pirâmide de poder encabeçada por “iluminados”.
Aprovaram o Direito Alternativo para os governantes. A idéia não é nova. Nos anos 80, no Rio Grande do Sul, um grupo de juristas de esquerda, dentre eles alguns juízes e o atual governador Tarso Genro, conclamavam a uma “revolução jurídica”, com estas idéias (do Direito Alternativo).
O conceito já seduziu muita gente, pois se vende como um outro modo “mais humano” de fazer as coisas, porque a lei é fria e impessoal. Dizem eles, no campo jurídico, que a lei e o Poder Judiciário não conseguem fazer justiça às velhinhas desamparadas e aos pobres.
Seduz até que os freios democráticos dos de boa fé percebem que não passa de uma tendência autoritária, um não-Estado de Direito. Que se trata da personalização do Poder, independentemente da lei: a lei sou eu, o estado sou eu, eu sou justo.
A lei aprovada no Senado dá permissão para o governante (adiante, transcrição de partes do artigo “A ética do vale tudo”, de José Serra):
1) tornar sigilosos os orçamentos das obras, mecanismo que, associado à desclassificação das propostas com preços inferiores a um valor mínimo, também mantido em sigilo até a abertura dos envelopes…
2) usar critérios subjetivos no julgamento das propostas, a pretexto de… conceitos técnicos, ambientais e econômicos…
3) juntar, na mesma licitação, a realização do projeto e da obra, (tornando) impossível o indispensável julgamento objetivo, o que já enseja gravíssimas injustiças, sendo ainda mais grave terem colocado um mecanismo que permite dirigi-la ao companheiro escolhido apenas com o vazamento, a este, dos elementos da licitação, antes da publicação do edital, posto que o prazo de 30 dias estabelecido para entrega das propostas é incompatível com a simultânea confecção da proposta e de um projeto sério, e impossível de ser cumprido responsavelmente por quem não tenha tido anteriores informações privilegiadas.
4) pagar valores adicionais ao empreiteiro como prêmio por desempenho, qualidade, prazos…
5) acrescer o valor do contrato, sem qualquer limite..
É preciso grande coragem e insolência para propor isso, e uma determinação desmedida para aprovar. Estão conseguindo mudar tudo para chegar na plenitude de um “País alternativo”. Aliás, já está em curso a construção de uma espécie de sociedade alternativa (como queria Raul Seixas?): o que dizer do idioma alternativo apregoado pelo Ministério da Educação ou do kit gay para a garotada.
Outra parte deste exotismo já foi posta em prática nos últimos anos, quando o Brasil estabeleceu relações internacionais preferenciais com países “alternativos” como Venezuela, Cuba e Iran.
Ao contrário do Estado de Direito common sense, onde o império é a lei e a ela se submetem o cidadão e o próprio Estado, no “ambiente alternativo” tudo é relativo, principalmente a lei e a ética como as conhecemos. Não há, entre os alternativos, princípios jurídicos e morais convencionais.
Eles pensam assim: “faça-se justiça, mesmo que o mundo pereça” (fiat justitia, pereat mundus). Qual justiça? A deles, os que consideram a lei como uma “fonte” da justiça e do Direito, apenas. Mas o juiz pode decidir fora ou acima dela. Exatamente como a nova lei aprovada agora pelo Senado. Os princípios e fundamentos da Democracia são valores relativos sob o sistema alternativo. O Estado de Direito – a soberania da lei – não é importante.
Modelos de Estado estão em discussão no mundo inteiro, e a criatividade é fundamental para que, aqui mesmo, possamos um dia sair deste buraco criado pela atual Constituição, e nos livrar de tanto estado e de tanto tributo. Porém, uma coisa é pensar em libertar o País e a sociedade das garras deste monstro Estado, outra coisa é maliciosamente armá-lo com mais garras para fortalecer as pessoas que o comandam, “mesmo que o mundo pereça”. Certamente o PT não concordaria com isso, se a oposição estivesse no poder fazendo a mesma proposta. É que qualquer “eu” é mais justo que o outro. E qualquer “outro” é inconfiável; eu faço certo, o outro errado. Este é o perigo institucional: Luiz XV, Hitler, Mussolini ou Pinochet tinham certeza de que estavam fazendo a coisa certa.
Também tenho escrito sobre a encruzilhada em que nos encontramos diante da atual Constituição, defendendo a criação do Sistema Brasileiro de Liberdade Econômica, simultâneo e paralelo ao sistema atual. Mas sempre sob as bases do Estado de Direito, até mesmo na direção de aperfeiçoá-lo para nos adaptarmos aos tempos pós-1989, aos tempos da globalização e da telecomunicação. É inadiável oxigenar o mercado, a sociedade, a juventude, com a possibilidade de, livremente, despertá-los para empreender mais, criar, inovar. Hoje estamos conspurcados pela imensa burocracia estatal e sua fome insaciável de impostos.
Um sistema de liberdade econômica serviria também para atrair os investimentos internacionais de grande porte para fazer a infra-estrutura em áreas importantes como aeroportos, estradas, ferrovias.
Cravar uma exceção institucional como esta no ordenamento jurídico brasileiro, é acelerar o nascimento de um Estado de Direito Alternativo. É mudar o curso da História, e o preço disso é muito alto.
Dou palpites sobre futebol, mas não me ponham para dirigir a seleção porque sou apenas palpiteiro. Estado de Direito Alternativo é palpite de torcedor político equivocado. Palpites até podem dirigir governos, como fazem Chaves, Castro e Ahmadinejad, mas conduzem os países no rumo do precipício institucional, como fará com o Brasil esta lei, se promulgada. Estará, pelo menos, revogando o Estado de Direito e ferindo a democracia.
Tudo anda tão inacreditável no Brasil da era lulopetista que a gente não cansa de se espantar. Entretanto, essa infame lei que cita não está sendo bem divulgada. Não lembro de ter lido nada sobre o assunto em outro lugar, o que, no mínimo, indica que teve pouco destaque em outros meios de comunicação.
Essa lei só demonstra o quanto estávamos certos – os que votamos contra Dilma – do sério risco institucional que sua eleição implicaria como continuidade do projeto de poder do petismo.
Em forma de palpite, que não entendo de direito (s) hoje, só de deveres, lá na Casa, o Senado a maioria é da base governista, claro que seria aprovada,uma vez que o Petista atual governador Tarso Genro, já defendia a revolução jurídica.Ora é tudo muito óbvio,não temos direito, direito só o deles, leis só para eles,e burocracias, só para nós.
“É preciso grande coragem e insolência para propor isso, e uma determinação desmedida para aprovar”.
PT no poder.
O Direito Alternativo surgiu nos Estados Unidos sendo veementemente combatido por Janet Napolitano, atual Secretária de Segurança Interna e ex Governadora do Arizona: “Passar a mão na cabeça de criminosos?” foi o que ela perguntou aos norte americanos via TV. E como brasileiro (especialmente nossos políticos), imita tudo que é ruim ao redor do planeta, naturalmente não deixaria esta imitação de lado. Alguns juizes já andam julgando desta forma….
caro dr. juarez dietrich: este seu excelente artigo é um alerta – prévio ao meu – acerca da impropriedade de se institucionalizar a desordem do “direito alternativo” neste país. muito obrigado pelo seu percuciente comentário ao meu texto e parabéns pelo que escreveu e publicou no IMIL em 20/7/2011. alexandre coutinho pagliarini (pós-doutor pela univ. de lisboa)