A Índia, como o Brasil, tem um sistema político disfuncional, que força uma política de alianças e de coalizão entre os principais partidos. Os dois países enfrentam o desafio de conter a inflação e de tentar manter uma alta taxa de crescimento. Os problemas de inclusão social são idênticos, embora a escala seja muito desfavorável à Índia. Enquanto o Brasil tem 16 milhões de pessoas abaixo do nível de pobreza, a Índia tem 950 milhões. A agenda de reformas estruturais é praticamente idêntica: reformas tributária, trabalhista, da previdência social e política há muitos anos estão na agenda, mas não avançam na Índia pelas mesmas circunstâncias que impedem o Brasil de levá-las adiante.
A corrupção é outro fator interno que apresenta problemas muito semelhantes nos dois países.
O tema “corrupção” na Índia ganhou uma dimensão, na imprensa e na sociedade, que corresponde à magnitude e à profundidade do fenômeno em todos os níveis da sociedade. O governo do primeiro-ministro Singh está investigando as irregularidades e passou a responsabilizar os infratores, como demonstrado pelo número sem precedentes de demissões, prisões e investigações de ministros e altos funcionários. A imprensa, cortes de justiça e grupos da sociedade civil estão cada vez mais ativos na exposição das mazelas administrativas e da corrupção desenfreada. Pressionado pela opinião pública, o governo indu apresentou ao Congresso uma lei que cria a figura do Ombudsman, um poderoso órgão contra a corrupção no governo, no Legislativo e no Judiciário.
O assunto ganhou tais proporções que começou a haver reação espontânea da sociedade. É bem verdade que também com o envolvimento de gurus, gandhianos e políticos de reputação duvidosa. A reação da opinião pública acarretou a prisão de mais de 4.000 seguidores de Anna (“irmão mais velho”) Hazari, militante anticorrupção, aparentemente com telhado de vidro, que começou uma greve de fome – proibida pela Justiça – contra os graves desvios de conduta. Preso por essa manifestação de contestação pacífica, foi solto pela pressão da opinião pública.
Enquanto isso acontece na Índia, o que vemos no Brasil?
O governo Dilma esboçou reação às irregularidades, com o endosso da opinião pública, o que se refletiu de imediato nos altos níveis de popularidade da presidente, sobretudo no Sul do país. Os ministros da Agricultura, da Casa Civil, do Turismo e dos Transportes, além de 30 funcionários deste ministério, foram demitidos. No Turismo, o secretário-executivo e o chefe de gabinete foram presos e algemados, mas ficaram no cargo por vários dias até serem demitidos. O corporativismo prevalece no Judiciário e no Legislativo, dificultando a ação do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho de Ética.
Embora proliferem prisões e demissões, mesmo comprovada a prática desonesta, raro é acontecer uma condenação. Até hoje, nem Waldomiro Dinis, do escândalo dos Correios em 2003, nem o malfadado mensalão foram julgados. Os demitidos nos ministérios do Turismo, da Agricultura e dos Transportes não foram sequer indiciados. Expressivas lideranças do PT criticaram os ministros por não terem sabido reagir às acusações e terem preferido se demitir.
A prometida faxina tornou-se apenas uma limpeza superficial que colocou a sujeira para debaixo do tapete. Ao contrário da Índia, no Brasil prevalece a impunidade para os crimes de corrupção, que adquiriram características sistêmicas. A pouca vontade para apurá-los e a lentidão da Justiça explicam em grande parte a dificuldade de colocar na cadeia os que violam a confiança do eleitor.
E a sociedade como está reagindo? A opinião pública assiste bestificada à crescente onda de casos de corrupção no governo e fora dele, mas poucos são os sinais de reação.
Recentemente, em diversas capitais, as redes sociais, mesmo sem foco e com pouca repercussão, se organizaram e promoveram passeatas de protesto contra a corrupção. Na Esplanada dos Ministérios, foram colocadas vassouras formando um corredor até o Congresso, tendo algumas sido roubadas…
Falta um Robespierre (o incorruptível) para galvanizar a opinião pública nacional.
Fonte: O Globo, 25/10/2011
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