Manifesto pela moralidade e pela atuação fiscalizatória do Congresso Nacional: salvando o Brasil da corrupção…
Na construção diuturna da contemporaneidade, a teorização da tripartição dos poderes teve de adaptar Montesquieu às necessidades de cooperação e subsidiariedade, no sentido de um poder auxiliar (suprir) ao outro.
A mutação na tradicional tripartição dos poderes se deu por vários motivos que se foram somando, desde a Revolução Francesa até o século XXI, dentre os quais: (1) a intensificação das relações internacionais no pós-guerra; (2) a relativização do conceito de soberania – que implicou no esvaziamento da ideia de que “quem manda é só o rei (ou o chefe do Executivo)”; (3) a omissão de um poder em exercer os seus encargos constitucionais, com o consequente perigo de paralisação das estruturas modernas e/ou pós-modernas da “polis”; (4) a redução do aparato estatal ocasionada pela readoção, em estilo (neo)liberal, da doutrina do “laisser faire, laisser passer”, fator este detectável após a derrocada do Império Soviético e da “percepção cega” das regras do consenso de Washington; (5) o sucesso obtido pelos Estados que adotaram a forma federal na repartição harmônica de competências; (6) a necessidade premente de implementação de instrumentos de garantia dos direitos humanos positivados pela Constituição e por tratados internacionais. Estes seis fatores, e mais dezenas de outros, mudaram a feição estatal em escala mundial, e isto, evidentemente, influiu nas competências de atuação dos três Poderes clássicos de Montesquieu. A partir de tais mudanças, os três Poderes passaram a ter que agir de modo a subsidiarem-se.
Seguindo algumas das tendências acima descritas e entorpecida pelo sentimento de liberdade alcançado após 21 anos de ditadura militar e pela eleição de Tancredo Neves – e não de José Sarney – , estabeleceu a Assembleia Nacional Constituinte de 1988, no artigo segundo da atual Constituição brasileira que: “São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
O presente manifesto dirige-se, sobretudo, aos senhores senadores e deputados. “Eles não têm exercido o poder de fiscalização que a Constituição lhes outorgou. Daí o desmando e a corrupção endêmica no governo federal. Entretanto, dispõe também o presente texto – e por reflexo – sobre a atuação dos outros dois poderes e daquele que, na Constituição de 1988, foi erigido à condição de função essencial à justiça, o Ministério Público.
Os fatos que desencadearam a escrita deste manifesto são os que estamos a ver e ler, diariamente, nos noticiários brasileiros, e que dizem respeito à atuação da presidente Dilma Rousseff e de seus ministros “demitidos” (a propósito, Dilma não fez “faxina” alguma pois não exonerou nenhum deles; todos saíram por pressão da imprensa e por arranjos partidários).
As graves denúncias contra o governo do PT, desde os “mensaleiros” da época de Marcos Valério até as ONGs de Orlando Silva, deixam claro que o Parlamento do Brasil (Senado mais Câmara), em vez de “a Casa Democrática de Representação dos Estados Membros da Federação e do Povo Brasileiro”, mostra-se, ao atônito eleitorado nacional, na verdade, como “a incorrigível Casa Demagógica de Legitimação dos Atos Secretos, da Malversação, da Promiscuidade Política e da Falta de Observância do Princípio Constitucional da Moralidade”. Isso significa: o Parlamento do Brasil, que não fiscaliza por não ser isto de seu interesse, é um estímulo sedutor à conduta corrupta de políticos em todos os níveis.
Portanto, a atual crise não é só de essência ética e moral – dos integrantes do Parlamento –, mas ela é institucional, encontrando-se nas entranhas da Câmara e do Senado da República, devendo-se aqui fazer constar, outrossim, que não é somente o Senado e a Câmara Federal que se encontram infectados pelo vírus da malversação e pela prática constante da violação dos ditames constitucionais. Tais anomalias detectam-se também nas Assembleias Legislativas dos Estados e do Distrito Federal e nas Câmaras de Vereadores. Repita-se: os nossos parlamentos não fiscalizam nada!
Os Legislativos do Brasil, que deveriam cumprir as suas funções precípuas de legislar e fiscalizar, têm-se mostrado – malevolamente – à população como os Legislativos que, em verdade: (a) não legislam; (b) não fiscalizam; (c) aceitam ser os vassalos dos Poderes Executivos; (d) submetem-se à pressão externa de lobistas; (e) violam repetidamente os princípios constitucionais da administração pública constantes no artigo 37, quais sejam, os da legalidade, impessoalidade, publicidade, eficiência e sobretudo o princípio da moralidade. Em Legislativos assim, não é de se espantar que a própria presidente da República se sinta imune das acusações que contra seu governo são feitas, passando a esconder-se atrás da certeza da impunidade e de sua “tropa de choque” constituída por políticos e cabos eleitorais hipócritas.
Em contexto como o atual, concluem as brasileiras e os brasileiros que: (i) aqueles que deveriam legislar e fiscalizar estão a fugir de suas responsabilidades; (ii) os que deveriam julgar, estão também a fugir de suas responsabilidades; (iii) e os que deveriam somente governar, imiscuem-se indevidamente nos outros poderes para garantir apoios e arranjos; (iv) e, para completar o quadro, os que deveriam acusar e para isto são pagos, calam-se indevidamente.
No atual instante, os acusados e denunciados devem estar a pensar: “Se contra mim nunca fizeram nada, então continuarão a nada fazer, pois esta tem sido a ordem natural no trato com as oligarquias políticas brasileiras. E se contra mim ainda não fizeram nada, então continuarei a ser corrupto!”.
Passou da hora do Congresso Nacional abrir Comissões Parlamentares de Inquérito, no mínimo cinco, para investigar cada uma das saídas dos ministros que foram substituídos no governo Dilma. Nessas CPIs, cabe também ao Parlamento brasileiro apurar a responsabilidade, por ação ou por omissão, da própria presidente da República, isto porque o Brasil tem adotado tradicionalmente (desde 1889) o sistema presidencialista de governo – no qual o(a) presidente da República é diretamente responsável pelos atos de seus ministros e demais subordinados. Só com sucessivas e/ou concomitantes CPIs o Congresso se colocará nos trilhos daquilo que o mestre lusitano – Jorge Miranda – chama de ética republicana.
Eminentes representantes do povo, a palavra é vossa…
Simplesmente fantástico artigo!
Convoca a todos nós, cidadãos brasileiros, a uma reflexão profunda do “poder” que temos e não utilizamos: o da manifestação popular em favor da moralidade, da transparência, da probidade na Administração Pública. Faz-se urgente a união popular como pressão e meio eficaz para que os princípios basilares sejam respeitados e que a impunidade aos corruptos não se torne algo corriqueiro e estimulante aos que almejam uma carreira política e sua consequente ascenção.
A maioria de nossos parlamentares tem o Poder legislativo como emprego. estão lá por interesses pessoais e partidários. O cidadão não entra nesta conta, serve tão somente para eleger os privilegiados candidatos.
Um Movimento de cidadãos anuncia que vai realizar uma auditoria às contas portuguesas.
http://citadino.blogspot.com/
Creio seja este nosso caminho.Já ultrapassamos todos os limites do tolerável.
A logica da corrupcao institucionalizada neste pais e, mais uma vez, enfatizada nesse novo artigo. O nivel argumentativo sedimentado em parametros historicos e o que torna este texto tao bom!
Não precisa de CPI pra nada não!
Passou da hora de fazermos alguma coisa em favor da democracia e de nosso suado dinheiro.
Alexandre , seu artigo è muito bom mesmo.
Mas eu quero saber de vc o porquê de não falar nada sobre as cpis abafadas em sp e minas ?
alexandre coutinho pagliarini: vou obrigar os meus alunos de ciência política a ler o seu artigo. parabéns ao millenium pela publicação de tão elegante (e relevante) texto. zuza
gilberto silva,
culpa do povo mineiro, do povo paulista: ou seja, de todos nós brasileiros, que resolvemos nos engajar na parada X, na Y, menos nas paradas populares em favor da moralidade administrativa. alexandre coutinho pagliarini
Será que você, professor Pagliarini, e outros resolveram fazer um complô contra um governo democraticamente eleito só porque Dilma é mulher?
Qual a importância da transparência para os gastos e obras da Copa do Mundo?
Resposta: A transparência se traduz no princípio constitucional da publicidade, constante no caput do art. 37 da CF/88. Também nos requisitos constitucionais e da Lei 8666/93 para que o Poder Público licite é obrigatória a transparência, e esta começa pelo respeito a que os atos sejam públicos (e transparentes), de modo a garantir aos certames a igualdade de condições entre os concorrentes.
primoroso na parte histórica e sobretudo na política. doutor pagliarini, escreva mais.
Este texto de Alexandre Pagliarini serve pros novos presidentes da Câmara e do Senado, ambos cravados de processos em que figuram como réus na Justiça e ambos alinhados ao PT dos mensaleiros.