Lançado há um ano como uma das principais iniciativas do governo da presidente Dilma Rousseff no campo da educação, o programa Ciência sem Fronteiras continua com problemas causados pela inépcia da máquina administrativa. A finalidade do programa é acelerar a internacionalização do ensino superior no País e estimular a formação de técnicos qualificados para os centros de pesquisa e inovação científica, oferecendo 101 mil bolsas de estudo no exterior em quatro anos, das quais 75 mil financiadas pela União e 26 mil pela iniciativa privada.
O programa foi bem recebido pela comunidade acadêmica, no seu lançamento, mas passou a ser fortemente criticado por entidades científicas e instituições de ensino superior à medida que foi sendo implementado. Dos 11 mil estudantes enviados ao exterior entre o segundo semestre de 2011 e o primeiro trimestre de 2012, por exemplo, muitos haviam recebido só a passagem aérea, até abril.
Eles se instalaram nas cidades escolhidas para fazer graduação, especialização, mestrado ou doutorado, mas não receberam o depósito das bolsas no prazo fixado pelas agências de fomento, ficando assim sem ter como pagar aluguel, plano de saúde, alimentação, transporte e livros. Apesar de não terem cumprido o cronograma de pagamento das bolsas, as autoridades educacionais foram implacáveis na cobrança de prestação de contas dos gastos e das atividades acadêmicas.
Outro problema na implementação do Ciência sem Fronteiras é o atraso dos convênios com as principais instituições mundiais de ensino superior. Só agora, um ano após o lançamento do programa, é que o Ministério da Ciência e Tecnologia conseguiu negociar acordos com universidades como Oxford, Harvard e Massachusetts Institute of Technology. Os convênios têm por objetivo agilizar o processo burocrático de matrícula dos estudantes brasileiros nos cursos por eles escolhidos. Sem eles, os bolsistas têm de se submeter aos procedimentos convencionais de candidatura e aceitação, que são complexos e morosos. Para acelerar a formalização dos convênios com universidades britânicas, medida que deveria ter sido tomada quando o programa foi lançado, Dilma aproveitará a viagem a Londres para discutir a questão com o primeiro-ministro David Cameron.
Mas agora surgiu um problema mais grave. Sem qualquer justificativa, a principal agência encarregada de selecionar os beneficiários do Ciência sem Fronteiras – o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – não renovou as bolsas de vários estudantes. Com isso, eles terão de voltar para o Brasil antes de concluírem o curso, o que é um absurdo. Pelas regras do programa, a permanência dos bolsistas no exterior é de um ano – período mínimo para o bom aproveitamento do intercâmbio, segundo os pedagogos. Mas, por causa da burocracia da máquina governamental, as bolsas precisam ser renovadas a cada seis meses.
Os bolsistas que não tiveram as bolsas renovadas estão estudando em universidades da Inglaterra, Alemanha, Bélgica, Espanha e Canadá. Seguindo as regras do programa, eles pediram a renovação em maio, quando enviaram os relatórios acadêmicos para avaliação de desempenho. Como até agora só receberam informações desencontradas do CNPq, correm o risco de ter suas matrículas canceladas. As confusões causadas pela burocracia brasileira chegaram a tal ponto que algumas universidades estrangeiras já não querem mais aceitar bolsistas do programa. Na reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que está sendo realizada em São Luís, os participantes também criticaram de forma veemente a inépcia do governo na implementação de um de seus programas mais importantes.
A presidente da República, que só soube da não renovação das bolsas pelas reportagens do Estado, agiu como sempre – ficou “irritada” e cobrou explicações do CNPq. A iniciativa de Dilma pode resolver pontualmente a situação dos bolsistas prejudicados, obrigando o governo a cumprir os compromissos que assumiu. Mas, mais do que irritação, é preciso determinação e empenho para resolver o problema da burocracia e da inépcia da administração pública.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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