Maduro mantém confronto que exclui quase 50% dos venezuelanos, enquanto Cristina impõe reformas que poderão enfraquecer ainda mais a democracia argentina
O kirchnerismo e o chavismo têm vários pontos em comum. A Venezuela de Chávez socorreu financeiramente a Argentina dos Kirchner em momentos difíceis, e enviou recursos para a campanha de Cristina. O chavismo, com a morte do comandante, passa agora, guardadas as devidas proporções, pela situação que o kirchnerismo conheceu com a morte de Néstor. O futuro de ambos os movimentos é incerto, como o demonstra a apertadíssima — e sob vários aspectos suspeita — vitória do “filho de Chávez”, Nicolás Maduro, sobre o candidato das oposições venezuelanas, Henrique Capriles.
Na Argentina, a morte de Néstor, em 2010, destruiu o esquema de “sucessão matrimonial” pelo qual ele deveria suceder a Cristina. Diferentemente da Venezuela, onde Chávez logo aplicou o “kit bolivariano” para assegurar o direito à reeleição indefinida, o kirchnerismo ainda não obteve a emenda constitucional que garanta à presidente o terceiro mandato consecutivo. Mas também não desistiu da ideia.
O chavismo pode estar vivendo seu ocaso. Maduro não é Chávez , e os problemas econômicos e sociais da Venezuela são imensos. O kirchnerismo, por sua vez, não tem herdeiro aparente, e o governo autocentrado de Cristina leva a Argentina rumo ao isolamento, em meio a graves desequilíbrios econômicos e sociais, embora o PIB cresça por força da agroindústria.
Ambos são regimes acuados cuja reação é governar apenas para seus partidários. Algo gravíssimo na Venezuela, que saiu das eleições rachada ao meio. As primeiras declarações e medidas de Maduro mostram que ele opta pela exclusão dos quase 50% que votaram na oposição. Altos círculos chavistas planejam uma caça às bruxas no serviço público para excluir os suspeitos de terem votado em Capriles ou não terem demonstrado o esperado fervor chavista. A tática do confronto é temerária.
O casal K nunca levou em conta críticas, opiniões e sugestões, o que se agravou com Cristina. A Argentina está atrasada na aplicação do “kit bolivariano”, e a presidente corre contra o tempo. Sua obsessão é aprovar uma reforma que politizará o Poder Judiciário, permitindo ao governo manipulá-lo. Os parlamentares deverão examinar hoje o projeto, e têm a imensa responsabilidade de manter a independência do Judiciário. É difícil, pois o governo tem maioria no Congresso. Se a reforma passar, Cristina terá mais poder para aplicar outro instrumento de inspiração chavista: a Lei de Meios, que visa a enfraquecer empresas de comunicação, como o Grupo Clarín, críticas do governo.
Na Venezuela, a liberdade de expressão foi praticamente suprimida, e as instituições desmontadas. Na Argentina, algumas instituições democráticas ainda resistem. Mas estão sob o cerco de um regime autoritário e populista que quer impor ao país um receituário chavista que agora se mostra claramente falido.
Fonte: O Globo
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