Em 2014, o país deve repetir o desempenho pífio do ano anterior. Essa é a análise de José Márcio Camargo, professor do Departamento de Economia da PUC-Rio e economista da Opus Gestão de Recursos. Em entrevista ao Instituto Millenium, Camargo aposta como certa a perda de um grau na classificação de risco do Brasil neste ano. Para ele, surpresa será se for mantida a perspectiva negativa com o rebaixamento. “Uma coisa é rebaixar e passar para perspectiva estável, outra coisa é uma agência de risco reduzir a nota do Brasil e se manter a perspectiva negativa”, diz ele.
O economista ainda fala sobre o cenário político-econômico que induz o governo a adotar medidas populistas — como controle de preços e outras ações que evitam desemprego à custa do aumento de gastos públicos. Para Camargo, o país pode crescer mais a partir de 2015, caso os investimentos em infraestrutura sejam ampliados desde já. “Se o governo conseguir que os investimentos privados em infraestrutura aumentem de forma significativa, o país terá um crescimento mais forte nos próximos anos”, afirma ele. Leia a entrevista.
Instituto Millenium: O senhor já afirmou que vivemos um momento propício para o populismo econômico. Por quê?
José Márcio Camargo: Existem diversos fatores que podem gerar populismo nos próximos meses, talvez até anos. O primeiro traço importante é que vamos ter eleições em 2014 e, como a taxa de inflação está muito alta e as pressões inflacionárias fortes, o governo pode se sentir tentado a segurar a taxa de inflação via controle de preços. Na
verdade, isso já aconteceu no ano passado, tanto que os preços administrados aumentaram 1,5%, enquanto os livres estão aumentando a taxa de 8% ao ano. É uma forma de controlar a inflação, mas que, em algum momento, vai reverter e ter que soltar os preços administrados lá na frente.
O segundo fator é que uma grande parte da pressão inflacionária se deve à baixa taxa de desemprego. Como nós vamos ter eleição este ano, o governo vai, provavelmente, evitar que o desemprego aumente. Acontece que, como os salários estão crescendo muito acima dos ganhos de produtividade, gera inflação, principalmente, no setor de serviços e, portanto, é difícil reduzir a taxa de inflação. A solução novamente é usar o populismo via controle de preços administrados.
O terceiro item se refere ao cenário fiscal do país, que é bastante complicado, com um superávit primário muito fraco. Neste cenário, a tentação para usar políticas não corretas para resolver os problemas é muito grande. Enfim, um cenário que induz ao populismo.
Imil: Quais medidas do governo o senhor enquadraria no conceito de “populismo econômico” e por quê?
José Márcio: O controle de preços e medidas que evitam aumento de desemprego, o que pode gerar problemas eleitorais ao longo do ano.
Imil: Muitos dos problemas do país são crônicos e não se resolvem com medidas de efeito imediato. Mas o que é possível fazer para que o país, em 2014, ano eleitoral, tenha resultados econômicos melhores do que os obtidos em 2013?
José Márcio: Vai ser difícil um crescimento acima de 2% em 2014. Primeiro porque temos uma taxa de inflação muito alta — e se o governo não quiser perder o controle da inflação, terá que continuar aumentando os juros, o que, lá na frente, vai gerar menos crescimento. Outro dado importante é que o país apresenta uma infraestrutura extremamente deteriorada, fazendo com que os custos de produção sejam muito elevados, comparados com os nossos pares internacionais. Isso também dificulta o crescimento. Em suma, os fatores estruturais já indicam uma taxa de crescimento bastante baixa em 2014 e eu não consigo ver nada que sugira algo muito diferente ou acima do resultado obtido em 2013.
Mas acho que algumas medidas podem gerar crescimento relativamente forte em 2016, 2017… Aumentar o investimento em infraestrutura é a forma mais barata de gerar crescimento mais forte nos próximos anos. Investimento em infraestrutura tem um efeito extremamente importante sobre a produtividade sistêmica da economia. Todos os setores ganham porque transportes, viagens, telecomunicações, enfim, tudo fica mais barato e mais eficiente. Acaba gerando ganho de produtividade para a economia como um todo. Então, se o governo conseguir que os investimentos privados em infraestrutura aumentem de forma significativa, acho que o país vai ter um crescimento mais forte nos próximos anos.
Imil: As concessões de ferrovias e portos que o governo federal anuncia para este ano podem colaborar para que em 2016 o país tenha um melhor resultado?
José Márcio: O Brasil perdeu muitos anos sem fazer as concessões com a ideia de que o governo poderia, através do Programa de Aceleração do Crescimento, atender os programas de infraestrutura. Foi um fracasso. Até que o governo resolveu mudar de posição e fazer as concessões para a iniciativa privada. Mas, no começo, os projetos eram muito ruins e demorou mais um ano para o governo tornar as concessões atrativas. Ainda bem que as mudanças aconteceram. É importante que se continue nessa direção, atraindo investimentos privados em infraestrutura. Esse é o caminho correto.
Imil: A Standard & Poors alertou que pode cortar em um degrau a nota do Brasil ainda antes de outubro, quando ocorrem as eleições. A agência Moody’s também criticou a política fiscal e o baixo crescimento do Brasil. O senhor vê risco de rebaixamento do Brasil? Qual o impacto disso na economia do país?
José Márcio: Existe uma probabilidade razoavelmente grande de ocorrer um rebaixamento de um grau na classificação de risco do Brasil em 2014. Uma parte dessa possibilidade já está no preço. O preço dos ativos, com a desvalorização do real, já aconteceu. Além disso, o Brasil já está pagando taxas de juros mais elevadas para colocar seus títulos no mercado internacional. Tudo isso é parte do processo da expectativa de um rebaixamento. O que eu acho que não está no preço ainda é, caso ocorra o rebaixamento, seja mantida a perspectiva negativa da nota de risco. Ou seja, uma coisa é rebaixar e passar para perspectiva estável, outra coisa é uma agência de risco reduzir a nota do Brasil e se manter a perspectiva negativa para essa nota. Isso eu acho que o mercado reagiria de forma bastante forte, com mais desvalorização cambial, com aumento do plano de risco e da taxa de juros. Então, o que pode ser uma surpresa é a manutenção da perspectiva negativa. Quanto à redução da nota, como já disse, a probabilidade é muito grande.
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