Uma diplomacia simplesmente sensata e adequada ao Brasil
Aparentemente, mais até do que problemas de ordem econômica, o Brasil parece ter perdido uma mercadoria ainda preciosa na frente internacional, uma coisa que se chama credibilidade. É isso que dá ficar apoiando ditaduras comunistas, violadores dos direitos humanos, agressores dos valores democráticos e outros meliantes do mesmo tipo. Vejam bem: temos consagrados na nossa Constituição alguns princípios que nos são muito caros, pois lutamos muito, no passado, para assegurá-los na ordem política interna e na nossa expressão externa: o pleno respeito dos direitos humanos, dos valores democráticos, a condenação do terrorismo e a não intervenção nos assuntos internos de outros países. E o que aconteceu nos últimos dez ou doze anos? Segundo um “wikileaks” do Itamaraty, recentemente divulgado pelo grupo Anonymous, pedimos aos Estados Unidos que retirem Cuba da lista dos países que patrocinam terroristas. Parece que somos aliados, justamente, de alguns dos piores regimes do planeta que violam esses princípios e valores constantemente, e ainda hoje o fazemos, numa superação da antiga hipocrisia – que parece ser normal quando alguns desses temas são politizados na agenda internacional – em favor de um apoio direto e solidário a essas ditaduras.
Mais grave ainda: nossa Constituição consagra o princípio de que qualquer acordo gravoso para o país tem de ser necessariamente aprovado pelo Congresso, para ser plenamente válido, depois de formalmente ratificado. Não é isso que tem ocorrido nos últimos tempos. Um outro princípio relevante da Constituição, que é a necessária aprovação do Senado para operações financeiras externas, também tem sido descurado em diversas ocasiões, por acaso envolvendo algumas das mesmas ditaduras. Como é possível que empréstimos de órgãos públicos possam ser classificados como secretos, e se eximirem, assim, do necessário escrutínio do Congresso? Não se trata nem mais de só fazer favores a ditaduras corruptas, mas de um desrespeito a todo o povo brasileiro – que alimenta esses empréstimos com os seus impostos – bem como ao próprio poder legislativo, que deveria monitorar as condições sob as quais são feitas esses generosos empréstimos a regimes muito pouco frequentáveis nesse nosso planetinha redondo.
A credibilidade de nossa política externa também tem sido posta à prova nesses episódios de inadimplência negociadora: o país, que pertence a um bloco que outrora pretendia ser um mercado comum, não consegue montar uma oferta exportadora, e concessões nas importações, para as negociações entre o Mercosul e a União Europeia. O bloco tampouco consegue dar início a novos processos negociadores com parceiros promissores, e isso quando esses mesmos parceiros têm assinado acordos de livre comércio ou de liberalização comercial com vizinhos mais ousados, ou talvez mais inteligentes e mais abertos do que nós. Por que é que o Brasil insiste nessa política de avestruz, se fechando ao comércio internacional, atribuindo a outros as fontes de nossos velhos problemas internos e pretendendo voltar a construir uma economia apenas baseada no mercado interno, quando sabemos que esse tempo já passou? Será que os companheiros no poder pretendem voltar ao stalinismo industrial praticado em outras eras de nosso itinerário econômico?
Quando é, finalmente, que vamos parar de sustentar ditaduras miseráveis, e regimes inviáveis, e nos relacionarmos normalmente com as maiores democracias de mercado, atendendo de fato ao que nos prescreve a Constituição? Quando é que vamos deixar a introversão de lado e nos integrarmos plenamente nos circuitos da globalização contemporânea, sem mais esses pruridos defensivos que só tem atuado para diminuir, cada vez mais, nossa participação no comércio internacional? Quando é, por fim, que vamos deixar de lado essa diplomacia partidária, extremamente enviesada do ponto de vista dos interesses nacionais, e voltar às boas tradições do Itamaraty, baseadas numa análise isenta e objetiva das realidades externas, num tratamento profissional, tecnicamente embasado, dos itens da agenda internacional, e numa implementação consensual de questões que deveriam nos integrar cada vez mais ao mundo como ele, não colocar-nos à margem, e por vias obscuras, da grande integração global que se processa sob nossos olhos mas com pouca participação do Brasil?
Está na hora de retificar os rumos e de realmente adotar uma política externa que seja consentânea, adequada e condizente com o que o Brasil passou a ser depois do Plano Real: uma democracia, ainda que com muitas falhas, fundada numa economia de mercado, e que deve procurar defender sua estabilidade interna e sua plena integração ao mundo contemporâneo. O Itamaraty sabe como fazer, sempre fez, mas seria preciso deixá-lo fazer.
One Comment