Tendo por escopo a luta pela defesa da língua portuguesa, a Casa de Machado de Assis estranhou a notícia veiculada pelo Senado Federal de que criaria, na Comissão de Educação, Cultura e Esportes, um grupo de trabalho técnico para “simplificar e aperfeiçoar a ortografia”.
O Senado não detalhava, porém, como faria essa misteriosa simplificação nem com que grupo de pessoas se dispunha a fazê-lo. Filólogos? Lexicógrafos? De quais instituições? A ABL seria ouvida?
O que há de mais esquisito nisso tudo é a câmara alta desconhecer ou ignorar a existência da lei nº 5.765, de 18 de dezembro de 1971, assinada pelo então presidente da República, general Emílio Garrastazu Médici, e pelo seu ministro da Educação, Jarbas Passarinho.
Esse instrumento legal aprova alterações na ortografia da língua portuguesa e dá outras providências. Entre outras modificações, a medida cortou o trema nos hiatos átonos, o acento circunflexo diferencial nas letras e o da sílaba tônica das palavras homógrafas (exceção da forma pôde).
No artigo 2º, a lei atribui à Academia Brasileira de Letras a tarefa de promover a atualização do Vocabulário Comum (o que tem sido feito cuidadosamente), a organização do Vocabulário Onomástico (também feita) e a republicação do Pequeno Vocabulário da Língua Portuguesa. Hoje, o chamado Volp está na quinta edição e tem uma circulação bastante apreciável.
Ora, a lei nº 5.765 é baseada no que o Congresso Nacional decretou – e não houve qualquer ato de revogação -, razão pela qual essa decisão unilateral do Senado nos parece rigorosamente extemporânea.
O assunto mereceu a manifestação indignada da Associação Brasileira de Linguística, presidida pela professora Marília Ferreira, que enviou correspondência ao senador Cristovam Buarque (PDT-DF).
São suas palavras: “Infelizmente, ao que tudo indica, a Comissão de Educação decidiu patrocinar uma reforma ortográfica simplificadora, sem que se tenha dado espaço para o contraditório. Até onde se sabe, a comissão não ouviu nenhum especialista na história da nossa língua e da nossa ortografia; tampouco ouviu representantes da indústria editorial; e também não ouviu nenhum dos educadores que se dedicam ao estudo do processo de alfabetização e letramento”.
Decidiu tudo de forma autocrática e inoportuna, deixando uma dúvida no espírito dos que se debruçam sobre a matéria.
A mudança pretendida, a essa altura do campeonato, seria profundamente prejudicial, pois levaria ao lixo milhões de exemplares de livros didáticos que são distribuídos anualmente a alunos carentes de todo o país. A que serve, pois, essa incrível aventura?
Fonte: Folha de S.Paulo, 21/07/2014
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