O setor de energia vem vivenciando profundas mudanças com efeitos sobre a geopolítica mundial. As principais razões foram: a revolução do shale gas; a volta dos EUA como exportador de petróleo e gás; o aumento da preocupação com a eficiência energética, por meio da adoção de políticas e técnicas de gestão da demanda e da geração distribuída, com destaque para a cogeração; e a forte expansão das fontes renováveis de energia, notadamente na Europa.
Todas essas mudanças são fruto de um ambiente de estabilidade regulatória, segurança jurídica, planejamento e respeito à lógica e às regras de mercado. No caso do gás natural, a elevação da produção nos EUA e a consequente queda nos preços têm levado à substituição de outros energéticos fósseis, como o carvão, consolidando o gás natural como combustível de transição para uma economia mais limpa.
O Brasil poderia e deveria ter melhor posição no cenário energético mundial. Mas a falta de uma política modernizante de longo prazo – focada na descentralização de decisões e que considere a nossa diversidade energética e a dispersão regional – juntamente com a pouca preocupação com o uso eficiente da energia e a visão imediatista do governo acabam nos deixando às margens das grandes transformações.
No caso brasileiro, são necessárias mudanças de paradigmas. O primeiro passo seria estabelecer políticas que despertem a sociedade para a incorporação das novas tecnologias. Seria essencial o desenvolvimento de um planejamento mais participativo e descentralizado, em que os agentes aportem suas alternativas inovadoras. Quanto à regulação, as mudanças consistem no resgate do seu princípio básico de emular condições competitivas e saudáveis de mercado.
O desafio energético não está mais em atender a uma demanda potencial, mas em integrar meios de satisfazer demandas distintas. Assim ocorre nas cidades, onde hoje vive mais de 85% da população do Brasil. A mudança do modelo de transporte, com a massificação dos sistemas públicos, deveria promover o uso da eletricidade, do etanol e do gás natural, deslocando a gasolina e o óleo diesel. Ao mesmo tempo, a segurança de suprimento energético para essas regiões deveria ser vista numa ótica distinta, incorporando as diversas vulnerabilidades. Enfim, deve-se fugir de modelos únicos e engessados. A cogeração urbana a gás junta-se às melhores opções de suprimento seguro.
A modernização de distintos modais, como o ferroviário e o hidroviário, trará eficiência energética e redução de custo, num horizonte de longo prazo. Para tanto, há de se quebrar preconceitos e lobbies. A mudança de critérios operativos dos reservatórios das hidrelétricas pode viabilizar milhares de quilômetros em hidrovias.
O mesmo se passa com a cabotagem, que exige, antes de tudo, mudanças burocráticas capazes de permitir celeridade no despacho das cargas. É evidente que, com a integração de ferrovias e portos e a intensificação da modernização, o avanço seria extraordinário. Uma das consequências seria a redução da intensidade energética na economia, que é quanto se exige de energia para produzir certa riqueza. O consumo energético eficiente é a forma mais barata de “gerar” energia e de não produzir impactos ambientais.
O atraso do Brasil vem da opção por um intervencionismo exacerbado e da busca míope pela energia barata, em vez de energia competitiva. Vivemos uma situação de desperdício e de carência generalizada, que nos leva a importar gasolina, diesel, gás natural e até etanol, além de estarmos num momento de escassez de energia elétrica. Tudo refletido em enormes desequilíbrios econômico-financeiros.
Se pretendermos não perder o bonde da história, precisamos de alocação eficiente de recursos. O governo tem gasto bilhões em subsídios ao setor energético, sob um planejamento atabalhoado que destrói a lógica de mercado, desequilibra ainda mais os preços relativos, afasta investimentos privados e diminui a segurança do abastecimento.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 02/08/2014.
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