*Por Adriano Pires e Abel Holtz
O imbróglio e o impacto do caos deflagrado pela “bem estruturada” Medida Provisória 579 continuam a causar estragos no setor elétrico. Além de constrangimento de bancos privados para compor os empréstimos que estão sendo suportados pelos contribuintes e que depois passarão para os consumidores, sendo que ambos não possuem responsabilidade alguma pelas barbeiragens cometidas pelo governo através das mudanças promovidas a partir da MP.
O diretor-geral da Aneel estimou em 8% o incremento de tarifas nas contas de luz para os próximos dois anos, em razão dos empréstimos concedidos às distribuidoras que, por ora, somam R$ 17,7 bilhões.
Alguns analistas de bancos projetam um aumento de 15% no ano que vem. Já uma consultoria superespecializada trabalha com a expectativa de reajuste médio de cerca de 17% em 2015, o que levaria o IPCA a 6,3%.
Na sequência, o secretário executivo do Ministério de Minas e Energia afirma que a tarifa deve aumentar 2,6% em 2015; 5,5% em 2016; 1,4%, em 2017. Número diferente da projeção da Aneel, o que demonstra que, de fato, ninguém sabe qual será o incremento tarifário. No momento eleitoral, temos que prestigiar o desconhecimento e o despreparo da sociedade para avaliar o que, de fato, será imposto após as eleições.
Agentes de governo, num ar de especialistas, falam de aumentos menores porque novas usinas vão entrar no regime de cotas, sem considerar que a ilação pode não se verificar. O processo da Cemig, hoje em contestação, pode demorar.
Também é simplesmente falsa a afirmativa de que a energia das usinas com concessão renovada é barata. Quando não tem água, o Mecanismo de Realocação de Energia rebaixa todo mundo, e os distribuidores não recebem toda a energia, tendo que comprar a diferença no Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) alto. Portanto, o custo das cotas terá que considerar receita paga às usinas (as RAGs), acrescida do custo da energia a complementar ao valor do PLD.
Mesmo que entrem mais usinas no regime de cotas, o custo não vai cair tão cedo porque, no ano que vem, a hidrologia pode continuar ruim. O aumento vai ser maior do que o que o governo quer que acreditemos, porque agora o consumidor ficou com todo o risco hidrológico dessas usinas, quando antes não tinha nenhum.
Portanto, os cenários para a energia elétrica não são nada otimistas. Se chover no período úmido a partir de novembro até março, evitaremos o racionamento, mas o PLD deve manter-se em torno de R$ 300/MWh. Caso não chova o suficiente, aumenta em muito ou será mesmo inevitável um racionamento no início de 2015, em proporções muito maiores que os de 2001.
O Brasil não pode e nem deve permanecer refém de hidrologias favoráveis. Na medida em que optamos de forma incorreta por reservatórios a fio de água, temos de entender que precisamos construir uma matriz hidrotérmica consistente e estruturada. Caso contrário, todos os anos vamos ficar dependentes da boa vontade de São Pedro. E, o pior, talvez nem São Pedro consiga nos atender. Para construir essa nova matriz elétrica, é essencial que abandonemos a ideia fixa da modicidade tarifária e entendamos que é preciso estabelecer um trade-off entre modicidade e aumento da oferta de energia. Só assim, com o aumento da oferta por meio de uma diversificação de fontes energéticas, é que alcançaremos a segurança de abastecimento e tarifas competitivas em relação a outros países. É preciso entender, de uma vez por todas, que segurança energética e preços competitivos só serão alcançados com estabilidade regulatória, segurança jurídica e respeito à lógica e às regras de mercado, e não com a publicação de MPs, decretos e leis.
Fonte: O Globo, 21/08/2014
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