Existe hoje praticamente um consenso entre economistas sensatos: um duro ajuste fiscal terá de ser feito, envolvendo o realinhamento de tarifas e a redução de gastos, para que o país retome o caminho da estabilidade e do crescimento, com juros baixos e inflação sob controle.
Esses mesmos economistas têm insistido que, independentemente de vontade política, não será possível, qualquer que seja o novo presidente eleito, reduzir substancialmente os gastos do governo central a curto prazo, tendo em vista que a grande maioria das despesas primárias refere-se a transferências de renda — Previdência Social, seguro-desemprego, Bolsa Família, pensões e salários do pessoal da União —, enquanto os gastos de custeio, alguns dos quais poderiam ser mexidos imediatamente, representam muito pouco em relação ao total.
Em outras palavras, a despeito de eventuais promessas de campanha e discursos prometendo milagres, é ilusão acreditar que, logo no primeiro ano de governo, por melhores que sejam as intenções e os níveis de gestão da equipe do novo presidente, haverá redução significativa dos gastos públicos.
A longo prazo, o ajuste nas despesas dependerá, principalmente, de duas variáveis básicas: aumento do PIB e manutenção, tanto quanto possível, das despesas com transferências, uma vez que é absolutamente inviável, tanto política quanto legalmente, reduzi-las nominalmente. O importante, portanto, não é olhar o gasto nominal, mas a sua expressão em relação ao PIB (“G/PIB”), cuja redução dependerá muito mais do aumento deste do que propriamente da diminuição daquele.
Se quisermos turbinar rapidamente as taxas de crescimento, será preciso desengavetar a velha agenda liberal e fazer algumas reformas o mais breve possível, especialmente nas áreas tributária e trabalhista, assim como retirar dos ombros do empresariado o pesado fardo burocrático. Além disso, é desejável privatizar todas as atividades que possam ser executadas pelo setor privado, não apenas para torná-las mais eficientes, mas principalmente a fim de que o governo possa se concentrar naquelas áreas onde ainda é insubstituível. São tarefas árduas, mas não impossíveis.
Por outro lado, para manter os gastos nominais em níveis perto dos atuais, serão necessárias doses de esforço e determinação tremendas, principalmente para lidar com as futuras reivindicações — algumas justas, outras nem tanto — de grupos barulhentos e bem organizados. Talvez essa seja a decisão mais difícil, a qual demandará, além de coragem, muita abnegação e desprendimento, porque extremamente impopular.
Não será fácil, por exemplo, enfrentar as indefectíveis greves de funcionários públicos por aumentos de salários. Menos ainda lidar com a fúria dos aposentados, ávidos por aumentos reais dos seus benefícios. Pior ainda será, eventualmente, ter de congelar os valores do Bolsa Família e outras transferências de renda. Menos problemático politicamente, malgrado sua dificuldade operacional, será fiscalizar com rigor as concessões de seguro-desemprego e outros subsídios temporários.
Como se vê, não será nada fácil a vida do novo presidente, especialmente se ele tiver coragem de fazer o que precisa ser feito. A alternativa é continuar empurrando os problemas com a barriga e largar a fatura para as próximas gerações. Alguém se habilita?
Fonte: O Globo, 01/10/2014
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