Passei parte do recesso de fim de ano relendo “The Fatal Conceit”, de Hayek. Trata-se do último livro do austríaco, aquele que nos legou a sua última lição. A tese central de Hayek neste livro é que as civilizações contemporâneas se desenvolveram e foram mantidas unidas pela tradição de códigos e práticas morais que evoluíram através do tempo. Para Hayek, “Nossa moral não é nem instintiva nem uma criação da razão, mas constitui uma tradição separada – entre o instinto e a razão -, uma tradição de incrível importância que permite nossa adaptação a problemas e circunstâncias muito superiores às nossas capacidades racionais. Essas práticas morais, como muitos outros aspectos de nossa cultura, se desenvolveram concomitantemente com nossa razão, não como seu produto. Por mais surpreendente e paradoxal que alguns possam pensar, essas tradições superam as capacidades da razão”.
A maioria dos historiadores normalmente descreve as atividades dos Estados e dos governos e dos grandes líderes no desenvolvimento das civilizações, enquanto negligenciam os aspectos da cooperação espontânea dos indivíduos, que segundo Hayek forma a base dessas civilizações. Aprendemos sobre como os romanos construíram o Coliseu, mas não sobre os comerciantes que iam de um extremo ao outro do império, expandindo o comércio.
Hayek enfatiza como as regras se desenvolveram à medida que a humanidade crescia de sua forma mais primitiva – em particular o desenvolvimento de regras que governam os direitos de propriedade e as transações econômicas. Virtudes como honestidade, honra e privacidade se desenvolveram para lidar com uma sociedade mais global e complexa, voltada para contratos de comércio e serviços. Hayek mostra ainda como a burguesia e o comércio geraram a riqueza que possibilitou o crescimento exponencial do bem estar humano, mesmo com um crescimento geométrico da população.
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(Mais recentemente, na esteira dos insights de Hayek, Deirdre McCloskey, na trilogia “A Era Burguesa”, descreve a abundância material possibilitada, a partir de 1800, pela liberdade concedida à classe burguesa, e como esta desenvolveu uma teia de virtudes morais a partir das quais o comércio e a indústria floresceram, até chegarmos aos dias de hoje, mas esse é um assunto para outro artigo).
Hayek observa também que, no mundo atual, a superpopulação é um problema apenas nas sociedades dominadas por filosofias e doutrinas socialistas de soma zero, enquanto, nas sociedades de livre mercado, a população cresce sem maiores sobressaltos. Não por acaso, o socialismo sempre resultará em desastres, pois população crescente não combina com a estagnação econômica causada pelo modelo socialista.
Filósofos antigos, como Platão e Aristóteles, denegriam a classe comerciante e apoiavam a autossuficiência das comunidades locais. Vivendo num mundo muito pouco globalizado, eles não enxergavam o comércio além das fronteiras das pequenas “polis”.
Segundo Hayek, a “pretensão fatal” ataca os intelectuais socialistas modernos, que incorrem nos mesmos erros dos filósofos antigos, ignorando a contribuição das tradições, da ordem espontânea dos mercados e da classe comercial burguesa. É esta a classe que olha para o futuro, que enxerga a dinâmica do mundo moderno, que antevê oportunidades e está disposta a correr riscos, enquanto os socialistas e os intervencionistas sonham com uma economia estática, centralizada, perfeitamente planejada de cima para baixo e imune a riscos, mas também – e por causa disso! – altamente ineficiente.
Em resumo, enquanto socialistas e intervencionistas procuram, ainda que inconscientemente, meios de fazer parar a roda do progresso humano, há empreendedores burgueses desconhecidos pensando e trabalhando na próxima grande invenção que vai revolucionar a maneira como vivemos.