Minha juventude coincidiu com os últimos anos do governo militar, encerrado em 1985. No contexto da radicalização própria da idade, combinado com as circunstâncias da época, minhas primeiras incursões como cidadão no terreno da política se deram flertando com a ideia de uma “ruptura”, um momento a partir do qual o “antigo regime” seria substituído por um novo, livre das mazelas do anterior.
Com o amadurecimento propiciado pela idade e refletindo acerca daqueles mesmos anos, influenciado por aqueles que me guiaram nos primeiros passos nessa dura caminhada do aprendizado dos limites impostos pela realidade, fui entendendo que a conquista do centro era essencial para sustentar os avanços, tanto políticos, quanto econômicos e sociais do país.
Convido o leitor à seguinte reflexão. Quais foram os principais progressos do país nas últimas três a quatro décadas? Creio que ninguém hesitaria em apontar quais tenham sido:
a reconquista da democracia nos anos 80;
a estabilização da economia no governo Fernando Henrique (FH); e
os avanços sociais, com redução da desigualdade e da pobreza, observados inicialmente nos anos FH e aprofundados nos anos de governo de Lula.
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Em todos os casos, tais situações resultaram da ação decisiva do centro político. Na redemocratização, ela foi simbolizada pela figura de Tancredo Neves — a expressão do centro por excelência — e pela aliança formada pelas lideranças do antigo MDB com os dissidentes da ex-Arena, o partido oficial na época dos militares.
Na redemocratização, o papel do centro foi vital na aliança entre o PSDB e o antigo PFL, em função das sábias palavras de FH, ditas ainda em campanha, ciente do potencial eleitoral do Plano Real mas, como ex-parlamentar, plenamente consciente da necessidade de ter uma coalização legislativa que desse sustentação às reformas que preconizava: “Eu posso me eleger sem o PFL, mas não conseguirei governar sem ele”.
No governo Lula, o papel do centro esteve representado pela versão “Lulinha Paz e Amor” do então candidato Lula, procurando a associação com quem veio a ser seu Vice-Presidente (o líder empresarial José Alencar) e pela famosa “Carta aos Brasileiros” de 2002, com o que ganhou a adesão de frações importantes do establishment e da classe média.
Não estou tratando aqui das óbvias degenerações de nossa democracia imperfeita nem dos métodos non sanctos que, sabemos todos, foram empregados diversas vezes na História do país. Estou apenas fazendo uma constatação. Que é, de resto, comum a outras experiências históricas, com destaque para o papel decisivo de Adolfo Suárez na transição política espanhola ou de Frederic De Klerk no fim do apartheid na África do Sul.
Está claro para todos que o país precisa deixar para trás as mazelas herdadas da Nova República e as práticas políticas que temos arrastado como parte de nosso vetusto “presidencialismo de coalizão”. A questão é que, da mesma forma que o fim do governo militar no Brasil se beneficiou da adesão de quem era sócio do regime até a véspera do seu óbito e que — mal comparando, por serem processos históricos diferentes — Mandela manteve parte da burocracia que tinha acompanhado o apartheid durante décadas, será muito difícil avançar sem a presença parcial, nas forças renovadoras, de uma parte dos grupos que estiveram associados ao estágio que se deseja superar.
É neste ponto que vale lembrar o que aconteceu na eleição para prefeito no Rio de Janeiro em 2016, quando três candidatos de perfil bastante assemelhado — Índio da Costa, Carlos Osorio e Pedro Paulo — dividiram um eleitorado de configuração muito parecida em partes muito próximas entre si. Propiciaram, assim, as condições para que uma parcela relevante do eleitorado não se sentisse representada pelas opções eleitorais que passaram para o segundo turno, numa rara combinação de imperícia conjunta dos partidos associados àquelas três candidaturas.
O paralelo com a cena nacional é claro. Há um espaço aberto para que um candidato de centro se imponha à polarização e dê sequência às reformas econômicas que têm sido implantadas no país desde 2016. Sem que o centro esteja coeso, porém, as chances de repetição a nível nacional de um evento como o do Rio em 2016 são muito elevadas.
Fonte: “O Globo”, 05/12/2017
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