As eleições na Venezuela, controladas pelo regime autoritário de Caracas, como previsível, reconduziram Nicolás Maduro como presidente de um país cada vez mais isolado e mergulhado em terrível crise política, econômica e social. Muitos dos principais líderes oposicionistas estão presos e a oposição boicotou a eleição. O governo estimulou o voto dos eleitores com recompensa financeira e acesso a programas de bem-estar social. A participação de observadores internacionais independentes foi negada. Um militar que apoiou Hugo Chávez, Henri Falcón, estava até a véspera liderando com folga as pesquisas de opinião e contestou o resultado. Tudo indica que houve uma monumental fraude.
O crescente isolamento do governo bolivariano agrava a crise econômica, com a falta de alimentos e de medicamentos, com a queda do crescimento (menos 15%), com a espiral inflacionária (13.000%) e com ameaça de default na dívida externa (mais de US$ 160 bilhões). Mais de 1,5 milhão de pessoas saíram do país e se refugiaram nos países vizinhos.
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As incertezas aumentaram em 2018. Do ângulo externo, os EUA mostram uma política mais assertiva, com o significativo aumento das sanções contra membros do governo de Caracas envolvidos em abusos contra os direitos humanos, ações antidemocráticas, tráfico de drogas e corrupção (bancos europeus revelaram que a cúpula chavista desviou mais de US$ 2,3 bilhões entre 1999 e 2013). Washington impediu o acesso da Venezuela a empréstimos de instituições financeiras americanas, dificultando as operações até mesmo de importações. Pedindo urgência aos países da região, a crise venezuelana foi o tema central da visita recente do secretário de Estado, Rex Tillerson, à América Latina. O presidente Donald Trump e Tillerson, contudo, passaram do limite ao ameaçarem invadir o país para mudar o regime e ao estimularem um golpe militar para resolver a questão da democracia. Notícias não confirmadas alertam para a possibilidade de a Venezuela tentar anexar pela força o território de Essequibo, na Guiana.
Do ponto de vista interno, o apoio das Força Armadas, de agentes de segurança e das milícias populares armadas, supervisionadas pelos assessores cubanos, foi reforçado pela declaração sobre eventual invasão externa e estímulo ao golpe militar. A ação política do partido oficial, com o apoio da Assembleia Nacional Constituinte, beneficiou-se com o enfraquecimento e divisão dos partidos de oposição. Nesse cenário, o poder político está preservado num regime autoritário de partido único com forte repressão interna a qualquer movimento de contestação.
A Human Rights Watch e o Foro Penal divulgaram em novembro relatório que documenta 88 casos que afetaram mais de 300 pessoas, vítimas de graves violações de direitos humanos entre abril e setembro de 2017. As conclusões do informe coincidem amplamente com o do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, que em agosto havia relatado a existência de uma política destinada a reprimir o dissenso político e infundir temor na população a fim de frear as manifestações contrárias ao regime. Foi denunciado o uso generalizado e sistemático da força excessiva e detenções arbitrárias, com torturas e outros atos de violência brutal, contra pessoas que se encontravam sob custódia e controle das forças de segurança.
Será importante manter a pressão regional e multilateral sobre o governo venezuelano para assegurar que cessem as detenções arbitrárias, não sejam mantidas as penas para presos que foram encarcerados por motivos políticos e que os responsáveis pela violações de direitos humanos sejam punidos, como fez a Corte de Haia, que abriu processo contra Maduro.
A Organização dos Estados Americanos (OEA) invocou a Carta Democrática Interamericana e pela primeira vez 19 dos 35 membros manifestaram profunda preocupação pela alteração inconstitucional da ordem democrática na Venezuela. O Mercosul aplicou a cláusula democrática prevista no Tratado de Assunção e condenou os abusos contra os direitos humanos no país. O Panamá, juntamente com a União Europeia, a Suíça e os EUA já impuseram sanções; 15 países da América Latina, o Canadá, os EUA, a União Europeia e o Grupo de Lima anunciaram que não reconhecem o resultado eleitoral. O Grupo de Lima – coalizão integrada por Brasil, mais dez nações latino-americanas e o Canadá –, que segue de perto a situação na Venezuela, reafirmou que eleições que não atendem a condições normais de transparência carecem de legitimidade e credibilidade e que aplicará medidas restritivas econômicas e financeiras para acelerar a restauração da democracia, dos direitos humanos e do Estado de Direito. O Peru não convidou Maduro para a Cúpula das Américas realizada em abril em Lima. Até López Obrador, o candidato da esquerda no México, se distancia do regime bolivariano.
Do ponto de vista do Brasil, interessa o restabelecimento da democracia, do crescimento econômico e da estabilidade na Venezuela. As questões humanitárias relacionadas ao crescente número de refugiados em território brasileiro e de segurança, com o contrabando de armas e de drogas na fronteira venezuelana, devem merecer alta prioridade do governo brasileiro. Apesar das tensas relações bilaterais – os embaixadores foram considerados personae non gratae – e de sucessivos casos de brasileiros presos na Venezuela, o Brasil, por seu peso na região, poderá ajudar no encaminhamento de uma solução para o problema político no país vizinho.
O aumento do preço do petróleo poderá dar um alívio momentâneo ao governo Maduro, que com grave crise cambial vem deixando de pagar seus compromissos, inclusive com o Brasil. É difícil vislumbrar uma saída para a crise na Venezuela. Por isso se torna urgente começar – se é que já não começou – a conversar sobre uma saída para o período posterior à eleição presidencial de domingo.
Fonte: “Estadão”, 22/05/2018