A proposta de emenda que muda a Constituição para garantir o início do cumprimento de penas depois da decisão da segunda instância do Judiciário, elaborada pelo deputado Alex Manente (PPS-SP), obteve 190 assinaturas e começará a tramitar no Congresso.
Ela altera o inciso 57 do artigo 5º. Em vez de “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória”, o texto passaria a ser “ninguém será considerado culpado até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso”.
É uma mudança que não poderia ser feita dessa forma, pois o artigo 5º é interpretado como uma das cláusulas pétreas do texto. Não é impossível, contudo, encontrar uma formulação que elimine a ambiguidade que hoje cerca a questão. Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha determinado, em 2016, que o cumprimento de penas após a segunda instância não contradiz o dispositivo constitucional, a questão está longe de decidida.
No caso mais premente, a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva argumenta que ele não pode ser preso, mesmo tendo sido condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Como cabem ainda recursos especiais ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou extraordinários ao STF, prender antes de estabelecida a culpa definitiva seria, aos olhos da defesa, injusto.
No entender do TRF-4, a prisão de Lula deveria ser imediata, uma vez que se esgotaram na última segunda-feira todos os recursos a que ele tinha direito no próprio tribunal. Com base na decisão de 2016 do STF, o TRF-4 emitiu uma súmula, de número 122, ordenando a prisão de todos os que estão na mesma situação de Lula.
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Mas o STF continua dividido sobre a questão. A decisão de 2016 padece de duas limitações. A primeira é de ordem jurídica. Tomada em cima de um habeas corpus específico, ainda que o Supremo lhe tenha dado repercussão geral, ela é mais frágil e sujeita a contestação do que se tivesse resultado de um questionamento abrangente.
A segunda deficiência está no formato da decisão. Ela apenas permite, mas não obriga, o cumprimento das penas depois da segunda instância. Isso abre margem a outra questão: em que condições então isso deveria valer? Fica a critério do juiz? Foi justamente para sanar essa dúvida que o TRF-4 baixou a súmula 122, determinando a obrigatoriedade.
Só que os próprios ministros do Supremo têm decidido em contrário. Um levantamento de 390 casos ao longo dos últimos dois anos, publicado no início do mês pelo jornal Folha de S.Paulo, verificou que, em 91 (ou 23%), os réus obtiveram a liberdade por meio de habeas corpus. Desses, 41 foram concedidos pelo ministro Marco Aurélio, e 31, pelo ministro Ricardo Lewandowski. Os ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli e Edson Fachin são, ao contrário, os que mais negaram os pedidos.
Para ser solto depois da segunda instância, portanto, um réu precisa hoje contar com os recursos necessários para recorrer ao STF e com a sorte de seu pedido ser distribuído a um dos ministros mais benevolentes. É, evidentemente, uma situação que está longe de ser justa.
Ainda assim, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, decidiu não levar a plenário as duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs 43 e 44), ambas relatadas por Marco Aurélio, que permitiriam decidir a questão em definitivo, com a determinação de critérios objetivos para o início de cumprimento das penas.
Em vez disso, para tentar manter a prisão de Lula, ela preferiu levar a votação o habeas corpus da defesa dele, ensejando a sessão patética da semana passada, em que os ministros nada decidiram, apenas concederam um salvo-conduto a Lula até que decidam, provavelmente no próximo dia 4 de abril.
O caso de Lula poderá até ser resolvido até lá. O voto decisivo caberá à ministra Rosa Weber que, embora contrária à prisão depois da decisão da segunda instância, tem mandado cumprir a pena nos casos que julga, em nome da “colegialidade” em torno da decisão de 2016. No plenário, onde tudo pode voltar a ser discutido, não se sabe o que ela fará.
Caso a decisão seja favorável a Lula, advogados se aproveitarão dela para tentar manter soltos seus clientes. Os demais casos continuarão sujeitos aos ventos e marés dos tribunais regionais e superiores. Cármen poderia ter evitado isso, caso tivesse levado a plenário as ADCs liberadas por Marco Aurélio para julgamento. Mas o melhor foro para decidir o assunto é mesmo o Legislativo.
Uma emenda inspirada na de Manente encerraria a ambiguidade sobre a questão. Só padece de dois problemas. Primeiro: o trâmite interminável de qualquer projeto no Congresso, ainda mais uma mudança que exige duas votações por maioria de dois quintos nas duas casas legislativas. Segundo: nossos parlamentares, por motivos óbvios, não são exatamente os mais interessados em ampliar a punição a criminosos.
Fonte: “G1”, 28/03/2018