Desde o referendo sobre o Brexit e a eleição de Donald Trump, em 2016, empresas responsáveis pela condução de pesquisas de opinião e intenção de voto estão sob intenso escrutínio nos Estados Unidos, no Reino Unido e em parte da Europa. Nos países maduros, a dúvida recai sobre a credibilidade dessas empresas e da metodologia que utilizam, uma vez que, tanto no caso do Brexit quanto na eleição de Donald Trump, os erros de previsão foram consideráveis. Em alguns casos, a indústria de pesquisas de opinião foi acusada de exagerar a importância dos resultados apurados, de induzir viés nas respostas de acordo com a forma como as perguntas são elaboradas e feitas aos eleitores e de desenhar as perguntas de acordo com as preferências de quem encomenda e paga por essas pesquisas.
Todas essas questões são de extrema relevância para o Brasil, faltando apenas quatro semanas para o primeiro turno. Tornou-se prática no mercado brasileiro não apenas acompanhar as pesquisas publicadas por grandes institutos, o que é normal, como também encomendar e divulgar suas próprias pesquisas. Grandes instituições financeiras, hoje, participam ativamente do mercado de pesquisas de opinião, apresentando seus próprios resultados, conhecidos por essas instituições antes da divulgação pública. Eis, portanto, o primeiro problema: se grandes instituições financeiras têm o poder de comprar suas próprias pesquisas retendo informações privadas antes que sejam conhecidas pelo público geral, elas passam a ter a capacidade de influenciar os mercados — o dólar, a Bolsa, os juros futuros — por meio desse conhecimento particular. Diante da constatação de que a oscilação dos preços dos ativos brasileiros está inteiramente atrelada ao que revelam as pesquisas ante as dúvidas intensas sobre as eleições, cabe perguntar se algumas dessas instituições financeiras estão incorrendo em prática conhecida como “rent-seeking” na literatura econômica. Rent-seeking trata-se da tentativa de aumentar ganhos próprios sem criar qualquer renda ou riqueza adicional.
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Há outros problemas. Todos sabemos que o mercado financeiro brasileiro tem lá suas preferências políticas e seus candidatos favoritos. Até aí não há problema algum — diferentes setores da sociedade, afinal, têm todo o direito de revelar sua preferência por um ou outro, assim como têm a prerrogativa de manter sua postura específica em segredo. Contudo, a carne é fraca. É muito difícil imaginar que as pesquisas encomendadas por grandes instituições financeiras não contenham algum grau de viés que favoreça o candidato preferido. Isso não é dizer que instituições financeiras e empresas de pesquisas de opinião ajam de má-fé. Trata-se simplesmente de pôr na mesa fato óbvio: se o cliente privado encomenda algo, a empresa, por mais idônea que seja, tem sempre o incentivo de satisfazê-lo para continuar a servi-lo.
Quem pode garantir que algumas das pesquisas privadas mais badaladas do mercado brasileiro não estejam de algum modo influenciadas por aquilo que as instituições financeiras gostariam de ver para justificar sua estratégia de operações?
Por fim, o ponto mais perverso da crescente simbiose entre as empresas de pesquisas de intenção de voto e as instituições financeiras que encomendam e divulgam essas pesquisas: como saber se alguns dos resultados desvelados estão exagerando a alta de alguns candidatos em detrimento de outros? Como saber se os resultados apurados não estão sendo exagerados para favorecer determinados candidatos? Afinal, todos sabemos que o que está em jogo na hora do voto, ou no momento em que se reflete sobre em quem votar, é não apenas influenciado pela preferência particular de cada um, mas também pela tentativa de barrar algum candidato ou candidata que nos pareçam particularmente ruins. Aliás, no ambiente de polarização extrema do Brasil, importa cada vez mais o chamado “voto útil”, aquele que tenta impedir o avanço dos candidatos rejeitados. As pesquisas cada vez mais incensadas encomendadas pelo mercado financeiro sem qualquer tipo de supervisão prévia têm o potencial de mexer profundamente com o voto útil do eleitor que as acompanha.
Não é mistério que, no Brasil, as linhas que demarcam conflitos de interesse sejam pouco visíveis a olho nu, quando não inexistentes. A proximidade dos mercados financeiros com as empresas de pesquisa de opinião é apenas mais uma manifestação de nossa malemolência cívica.
Fonte: “Época”, 14/09/2018