O governo de Jair Bolsonaro começa sob a égide do novo. O novo a ser entendido não como uma mudança qualquer de governo, mas como uma diferente forma de exercício do poder, fundamentado no exercício da autoridade. Novo também no que diz respeito a uma recuperação das ideias de direita, seja em sua vertente liberal ou conservadora, relegando a segundo plano a oposição direita/esquerda.
Nos últimos anos, o petismo e sua herança consistiram numa dança à beira do precipício. A inflação estourou, o desemprego atingiu mais de 12 milhões de trabalhadores, o PIB afundou, os juros ganharam as alturas, a criminalidade tomou conta das cidades e do campo e a insegurança, em todos os sentidos, se generalizou. Neste último ano eleitoral, Lula ainda tentou, mesmo condenado e preso, ser candidato a presidente da República, utilizando-se da mentira como forma de conquista do poder. Uma séria crise institucional esteve muito próxima.
Nas peripécias dos últimos meses, constatou-se que a democracia terminou por adotar a forma de uma defesa de privilégios, cujo melhor exemplo talvez seja a resistência dos estamentos estatais à reforma da Previdência, como se o jogo político devesse ficar à mercê do arbítrio dos que têm mais condições de exercer influência e pressão. A população de baixa renda e os desempregados carecem desses instrumentos de pressão.
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A criminalidade, em expansão, mostrou igualmente as dificuldades de exercício da autoridade, como se combater a bandidagem fosse uma questão de direitos humanos. Da mesma maneira, questões educacionais foram fortemente submetidas ao politicamente correto, como se toda a sociedade devesse submeter-se ao que intelectuais esquerdistas apresentavam como “progressista”, seja lá o que isso signifique.
A autoridade estatal foi substancialmente enfraquecida, com o sociedade clamando por seu restabelecimento, sem que isso signifique autoritarismo, que desconhece limites institucionais e constitucionais.
Logo, é nesse contexto que se deve compreender o novo governo, nas figuras do presidente eleito, Jair Bolsonaro, e de seu vice, general Hamilton Mourão.
Primeiro, o núcleo militar. Ele representa o compromisso com a autoridade estatal, cuja preocupação central consiste em que o Brasil não caia na anomia, que poderia comprometer o futuro da democracia. Tanto o general Mourão quanto o general Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, são pessoas altamente qualificadas, comprometidas com a existência do Estado e a luta contra a corrupção. Ambos terão papel importante na orientação do novo governo, agindo dentro do próprio Palácio do Planalto. Se o vice-presidente vier, por delegação do presidente, a exercer a coordenação dos ministros, o ganho do novo governo será enorme na implementação das novas políticas e no restabelecimento hierárquico da administração.
Segundo, a Lava Jato. A nomeação do juiz Sergio Moro para o Ministério da Justiça segue outra linha de campanha do presidente eleito, a do compromisso com a honestidade no tratamento da coisa pública e do comprometimento no combate à corrupção. Responde igualmente a um clamor da sociedade por mudanças na condução dos negócios públicos. O então juiz, no exercício de suas funções, deu provas cabais de seu comprometimento com a verdade, não se submetendo a pressões ideológicas e partidárias.
Terceiro, a política econômica. O novo ministro da Economia representa um inequívoco compromisso com a economia de mercado, o direito de propriedade e a redução do poder de intervenção do Estado. Ao escolhê-lo e dar-lhe plenos poderes, o novo presidente assumiu um compromisso com o liberalismo, vital para o ajuste fiscal e o equilíbrio das finanças públicas, bases do crescimento econômico e do distributivismo social. A nova equipe, muito qualificada, está seguindo os passos da política econômica do presidente Michel Temer, ampliando-a.
Quarto, as frentes parlamentares. O sucesso do governo depende em grande medida de sua capacidade de aprovação de leis e, sobretudo, de emendas constitucionais na Câmara dos Deputados e no Senado. De nada adiantam belos planos de reformas se eles não conseguirem a aprovação no Legislativo. Seria um enorme impasse. O novo presidente aposta suas fichas no novo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, deputado que conhece bem o Congresso, e na escolha de ministros que representem frentes parlamentares importantes, como as da agricultura e pecuária, da saúde, da segurança pública, da construção civil e material de construção e dos evangélicos. Há aqui uma mudança relevante em relação ao governo Temer, que atuou com os partidos políticos e os líderes partidários. O desafio é interessante, porém não isento de riscos. Resta saber se conseguirá, com ela, alcançar os seus objetivos. A escolha para a pasta da Agricultura da deputada Tereza Cristina, pessoa competente, sinaliza para essa política de frentes parlamentares, assim como a do novo responsável pela Saúde.
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Quinto, a concepção conservadora. A escolha dos novos ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, indicam, por sua vez, outro ponto de campanha, assentado nos valores conservadores, de compromisso com a família, a pátria e a religião. Coloca-se aqui uma questão espinhosa, a de saber se esses valores são de natureza a orientar a relação entre Estados, baseada nos interesses particulares de cada um, segundo seus objetivos geopolíticos. No que toca à educação, o novo ministro é um intelectual respeitado, com livros importantes de filosofia e de história das ideias no País. A caricatura que dele foi feita em alguns jornais não guarda correspondência com a verdade.
Por último, assinale-se que o novo governo está se organizando de forma coerente, fiel a suas ideias eleitorais, numa síntese de valores conservadores e liberais, democracia e exercício da autoridade. Eis a aposta.
Fonte: “Estadão”, 26/11/2018