O saldo de acertos e erros entre cientistas políticos é pouco animador. Esta conclusão não se aplica apenas ao Brasil, onde a sabedoria convencional na área apontava para a derrota de Jair Bolsonaro.
A eleição de Donald Trump seria impossível segundo um cientista político influente como John Zaller. O erro dele e de seus colaboradores estava estampado no próprio título do livro que havia publicado, pouco antes das eleições, sobre as primárias presidenciais, nas quais o republicano foi vitorioso: “The Party Decides” (o partido decide).
Às vezes, acertamos, como no caso da renovação parlamentar. De fato, o padrão “esquizofrênico com derrota de muitos caciques que serão varridos do Congresso” e parecido com “um queijo suíço”, que apontei, na contramão das apostas, como provável, acabou prevalecendo.
O tsunami varreu muitos nomes, já sobejamente divulgados. As estruturas que permaneceram no “queijo” se devem em larga medida ao fundo de campanha, o qual garantiu alguma sobrevivência a alguns partidos e parlamentares.
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O fundo foi o pedágio para a aprovação da reforma política, aprovada em 2017, e que continha medidas para reduzir progressivamente a fragmentação, como a cláusula de barreira e a proibição de coligação em eleições proporcionais.
Tínhamos um dilema irresolúvel: como fortalecer partidos reduzindo seu número e garantir a renovação elegendo novos parlamentares probos no lugar dos envolvidos em corrupção? São duas tarefas em larga medidas antagônicas: equivalentes a abrir e fechar simultaneamente o mercado político. Salvo na forma do queijo suíço.
Paradoxalmente tivemos que piorar para depois melhorar. Explico-me: a fragmentação do Congresso brasileiro medida pelo Nepp (número efetivo de partidos políticos) —métrica que leva em conta a dispersão de votos entre os partidos, e não sua mera contagem—, que já era a maior do mundo, passou de 13,4 para 16,5, número nunca registrado em nenhuma democracia.
Mas os efeitos da reforma já se fazem sentir: a metade dos partidos com parlamentares eleitos perdeu acesso ao fundo. Haverá forte migração e fusões partidárias. A proibição de coligações entra em vigor em 2020. Dessa forma, o Nepp diminuirá para algo em torno de seis, seu escore em 1998.
Os efeitos serão também sentidos no âmbito das bancadas estaduais, onde a fragmentação já chegou, em um quarto dos estados, ao seu teto máximo: neles não há dois parlamentares do mesmo partido. A rigor, tudo isso era previsto pelos cientistas políticos que comentaram a reforma.
Sob novas regras os eleitores puniram e premiaram o desempenho de congressistas. Não é pouco.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 15/10/2018