A campanha oficial começou e a primeira eleição sem Lula promete ser a mais apertada da história (Lula foi derrotado fragorosamente ou teve vitórias acachapantes, nunca o meio-termo). No começo do ano, parecia que a decisão das eleições dependia da aceitação de Aécio Neves como vice numa chapa puro sangue tucana. Com o não recebido, resta contabilizar os outros fatores que podem determinar os resultados do pleito.
O plano de campanha de Serra é fraco, manjado e vazio. Sua apresentação é dizer que não é a Dilma. É um candidato relativo: na prática, sabe-se que 90% do seu eleitorado não o vê como um ótimo gestor, homem público capaz e líder capital de que o país precisa – ele, ao contrário, é apenas a oposição. O candidato em que se vota porque não se quer votar no PT.
O triste é que seus eleitores, no boca-a-boca, é que precisam fazer oposição por ele. A mentalidade do seu marketeiro é um erro lógico: se a popularidade de Lula o permite fazer qualquer coisa, isso significa que, para o brasileiro, não há erros no governo Lula, e, portanto, este não pode ser atacado (quando, na verdade, os descalabros lulistas não chegam à maioria da população, ou não são compreendidos por ela, e sua imagem nunca é atingida pessoalmente, do contrário, mesmo com identificação, sua persona também perderia popularidade, como já aconteceu a outros populistas). Com este cenário, Serra não se opõe ao PT: se considera pós-Lula, nunca anti-Lula.
Rebatizando e tomando para si programas sociais criados na era FHC, Lula pôde malhar o “descaso social” do PSDB à vontade enquanto batia em Alckmin. Candidato com retórica mole e maçante (uma espécie de Eduardo Suplicy tucano), Alckmin nunca conseguiu reagir à provocação. O relações públicas de Serra só pôde concluir rasamente: se Alckmin não conseguiu se explicar para o povo, por que Serra conseguiria? Melhor deixar Lula intocado. E com os louros da vitória sobre a inflação, o acerto das contas públicas (loas que devem ser feitas ao FMI, nem sequer ao PSDB) e ao aumento do consumo. Tudo isso, paradoxalmente, enquanto ataca as privatizações – sem ter coragem de ameaçar reestatizar as telefônicas, as rodovias ou a Vale.
Serra já enfrentou três candidatos com retórica vigorosa e ataques virulentos vindos da esquerda (Marta Suplicy, Heloísa Helena e o próprio Lula). Está na hora de parar de ter medo de fazer parte do PSDB, de esconder FHC (e até mesmo Mário Covas) como um passado num reformatório por maus comportamentos, e mostrar, com palavras simples ao público leigo, que as vantagens do PSDB sobre o PT são, afinal, vantagens.
É fácil notar que ao menos em um ponto o marketing serrista, até agora, cuidou de algo importante: desde que ficou claro ao país que a disputa seria entre Serra e Dilma (que não foi escolhida a dedo como alguns analistas apontam, e sim foi a única petista com força a sobreviver num governo em que os ministros atulharam em escândalos e caíram como patos em jogo de atirar), o, digamos, público antenado já tinha mais do que claro em quem votaria. Aquelas pessoas que conhecem as noções de esquerda e direita e conseguem identificar, por conhecimento histórico e pesquisa, qual candidato está em qual lado, já têm o seu voto definido há muito e não irão mudar. Resta conquistar o voto obrigatório daqueles que não abriram as páginas de política recentemente.
Para tal, seria sensato descobrir os pontos positivos e negativos enxergados pelo eleitor e tratar de corrigi-los, como o tal “descaso social” que ronda o tucanato. Sua campanha, no entanto, segue outro caminho: repete-se as qualidades do candidato através de palavras batidas e ocas de sentido: competente, experiente, honesto. Seu marketing são abstrações. Pode parecer uma boa técnica goebbelsiana, mas mantém seus pontos fracos como feridas expostas e não gangrenadas para seus adversários jogarem sal (se o exemplo serrista, a essa altura da campanha, não torna o problema claro, pense o leitor em tentar eleger Paulo Maluf apenas o tachando de experiente, competente e… bem, alguma outra qualidade que Maluf venha a ter).
A tática é FHC continuar sendo um tabu tucano. Capitalismo, então, é uma palavra só usada durante a campanha pelos partidecos da extrema-esquerda. Quem dá as cartas é o PT, os tucanos apenas jogam. Não é sem razão o que as pesquisas refletem: se Dilma aparece mais, sobe mais; se Dilma erra mais, desce. As ações não são tucanas: estes apenas respondem. Serra se esforça para ficar mais parecido com Lula a cada frase.
Enquanto isso, perguntas simples, que desbancariam boa parte da petulância petista (ou ao menos a deixaria passando alguns belos embaraços públicos) não são feitas. Candidata Dilma, a senhora atribui o fracasso estrondoso do PAC à falta da CPMF? Candidata Dilma, a senhora é obediente ao Foro de São Paulo ou considera o regime de Fidel Castro criminoso? Candidata Dilma, a senhora usaria burca se precisasse conversar pessoalmente com Ahmadinejad? Candidata Dilma, a senhora acredita que Celso Daniel e as oito pessoas envolvidas no caso foram assassinadas por coincidência? Candidata Dilma, a senhora pretende invadir Honduras, visto que não aceitaram cancelar as eleições que depuseram de vez Zelaya? Candidata Dilma, a senhora acredita que Francenildo Costa votará na senhora? Candidata Dilma, a senhora pretende nos agraciar com o PAC 3?
Como se vê, bastam poucas palavras para deixar acuada à parede a candidata cheque em branco que nada mais é do que o nome fantasia do terceiro mandato de Lula. No entanto, com medo de ser impopular, o marketeiro de Serra segue o caminho ultra-defensivo – o que o torna ainda mais vulnerável e, como num jogo de xadrez, dependente do erro do adversário. Mas não se discute ideologia no debate eleitoral: deixa-se isso para os professores universitários de humanas e aqueles poucos seres iluminados capazes de entender uma flutuação de câmbio.
Vê-se nitidamente que o erro é da equipe de marketing de Serra, e não exatamente do candidato, pela mudança em sua postura: chegou ao Twitter amigável, com conversa franca, comentando até de episódios de Lost com seus seguidores. Conseguiu fazer o que nenhum marketeiro consegue: humanizar um político, aquele ser almofadado e inacessível. Foi se declarar candidato e se reunir com a sua equipe que o seu Twitter passou a ser a chatice burocrática de qualquer um outro [1].
Sua equipe espalha-se pela internet em ações inócuas. Repete-se bordões ad nauseam em suas comunidades que ultrapassam as raias do fanatismo – mas onde fica o debate? Qual o intuito em se gastar tanto dinheiro em uma mídia digital só por ser digital… e pregar para os que já foram convertidos? Será que um tucano colocando tag “curti” em um evento tucano de outro amigo tucano no Facebook irá tucanizar um não-tucano, ou isso é só para torrar o que foi feito pra ser torrado?
Com este panorama cruel, tem-se a impressão de que a campanha pró-Serra é uma chuva de erros. E o é. Como o candidato ainda é o favorito e pode vir a ser eleito? Como tudo o que tange ao PSDB, trata-se do velho caso de ser o menos pior.
Se seu marketing não sair desta velha receita regurgitada, a real chance de Serra reside em um ponto que escapa ao seu controle. Lula, desde os primórdios, representou a grande mudança e ruptura com o passado – mas, ao contrário de Obama, teve de deixar de lado a change para conseguir sobreviver. Excetuando-se Brizola, nunca teve alguém da linha de mudança digno de ser concorrente.
Desde que foi eleito, entretanto, a mudança preterida seria uma volta aos velhos moldes – mesmo que o PSDB seja um partido com proposta praticamente idêntica ao PT e Serra se esforce para não representar a direita menosprezada, seu partido ainda significa “um PT menos corrupto, que não aparelha o Estado e, sobretudo, não tão à esquerda”. O cenário foram três candidatos anti-PSDB em 2002 (Lula, Ciro Gomes e Garotinho), repetindo-se o mesmo em 2006 (Lula, Cristovam Buarque, Heloísa Helena). Desta vez, por mais que haja apenas três candidatos principais e Marina Silva seja ex-petista, o clima de desencanto com o PT é predominante entre candidatos que não sejam Dilma – incluindo até mesmo Ciro Gomes, onde sua voz ainda for ressoada. E, claro, Lula não está na disputa.
Serra pode continuar em frente (ou reultrapassar Dilma quando chegarem os debates), mas sua campanha precisa ter isso consciente: a culpa é do PT, e não do seu próprio candidato.
[1] Esta constatação já fora feita por Carlos Cardoso, no seu texto Faça sucesso mostrando seu salame: http://www.contraditorium.com/2010/05/03/faa-sucesso-mostrando-seu-salame/
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