No encontro do G20 no Canadá, o relatório final falou da necessidade de fortalecimento da economia global e de ajustes fiscais a serem adotados nos principais países da região do euro. Para este grupo de países a meta é reduzir os déficits fiscais pela metade até 2013, sem esquecer a necessidade de retomada do crescimento.
Mas como pensar em voltar a crescer com mais força, sem deixar de se preocupar com a reorganização das finanças públicas? Haveria um dilema nesta assertiva?
A princípio, o crescimento de curto prazo poderia ser afetado. Numa visão de mais longo prazo, no entanto, estes ajustes prementes do setor público seriam positivos, pois abririam espaço para uma política monetária mais frouxa e um crescimento mais consistente, visto que parte da poupança despendida no setor público seria liberada para o financiamento dos gastos do setor privado.
Entramos neste caso, num embate entre os EUA, defensores da manutenção dos estímulos econômicos, mesmo ao preço de um desajuste do setor público e dos países da zona do euro, achando por bem um ajuste fiscal rigoroso agora para abrir espaço a um crescimento mais exuberante no futuro. A questão a ser colocada, no entanto, é sobre como chegar a este longo prazo. Isto porque corremos o risco, neste meio tempo, de um novo mergulho recessivo, sob a forma de “w”, resgatando o conceito do “double deep”.
A economia global experimentou uma boa recuperação em 2009, fruto das medidas de estímulo adotadas, mas agora se confronta com o esgotamento destas medidas e a crise do excessivo endividamento neste período e mesmo antes. Na média, o déficit público da zona do euro chega a 7,1% e nos EUA passa de 10% do PIB.
Do encontro do G20 costurou-se um compromisso arrojado de reduzir estes desequilíbrios pela metade até 2013. Será que os atores envolvidos terão espaço político e condições econômicas para obter este intento?
Esta é a pergunta que não quer calar. O Brasil se alinha mais com os EUA, por achar essencial a manutenção das políticas de estímulo, até porque numa primeira abordagem sua situação fiscal não é tão delicada se comparada a dos outros países do G20.
Nos EUA, déficit público chega a 11% e sua meta ambiciosa é reduzi-lo a 4,2% do PIB em 2013; no Japão passa de 7,9% do PIB, nos países dos PIIGS, na sua maioria, passa de 10%. A Alemanha, por outro lado, possui uma situação fiscal mais confortável, o que diante de um ajuste fiscal rigoroso anunciado recentemente, deve levar seu déficit de 5,6% do PIB atualmente, para cerca de 3%, dentro da meta firmada pelo Tratado de Maastrich, acordo firmado nos anos 90, por ocasião da criação desta zona de unidade monetária.
Mas o que preocupa, de fato, a crise da zona do euro é a forte concentração de vencimentos de 2010. A Itália segue liderando no forte volume de vencimentos, totalizando € 174 bilhões, mas a Espanha não fica atrás, com € 53,7 bilhões. É crescente, inclusive, a possibilidade dos ibéricos virem a precisar recorrer ao fundo de estabilização da União Europeia, dada a situação delicada do seu sistema bancário.
Tem-se, portanto, mais uma fase da crise, eclodida em setembro de 2008, na qual a dificuldade de rolagem das dívidas, com os títulos sendo rejeitados pelos mercados o que vem deteriorando as carteiras dos bancos. Isto porque estes se encontram recheados destes mesmos títulos públicos dos vários países da zona do euro, em arriscadas operações cruzadas.
Esta situação extremamente delicada no mundo rico ainda não encontra paralelo com a economia brasileira. Claro que a qualidade da nossa política fiscal é questionável, visto que vem sendo impulsionada pelo aumento das despesas de custeio, de manutenção da máquina pública, mas os nossos passivos são bem mais administráveis do que os do hemisfério norte.
Isto pode ser visto pela visão do BACEN, achando a dinâmica da nossa dívida benigna, com tendência de queda no longo prazo, em função dos últimos superávits. Realmente nossa situação é bem mais confortável do que a de uma série de países desenvolvidos. Segundo o FMI, os EUA, por exemplo, fecharam 2009 com dívida líquida de 58,3% do PIB e devem terminar 2010 com 66,2%; a Alemanha, de 64,3% para 68,6%; França, de 67,7% para 74,5%; Itália, de 113,2% para 116%, entre outros.
No Brasil, a dívida líquida em 2009 fechou em 42,8% do PIB e em maio já recuou para 41,4%. Por outro lado, é preciso atenção ao desempenho das contas públicas por estas plagas, até porque a tentação pela complacência e relaxamento no trato destas variáveis segue como uma ameaça ao futuro. Em maio, por exemplo, houve uma forte deterioração fiscal, com o pior resultado em 11 anos.
Pelo enfoque do Tesouro, o governo central veio com déficit de R$ 509 milhões, enquanto que pelo enfoque do BACEN o resultado consolidado foi positivo em R$ 1,43 bilhão, devido ao bom desempenho dos governos regionais e as estatais. O governo central veio com rombo primário de R$ 1,43 bilhão, mas os governos regionais fecharam no azul em R$ 1,46 bilhão e as estatais em R$ 1,39 bilhão.
No ano, pela esfera do Tesouro, o governo central registrou saldo positivo de R$ 24,20 bilhões, em função dos bons resultados em janeiro e abril, e no governo consolidado, pelo enfoque do BACEN, no ano, o superávit primário foi a R$ 38,04 bilhões, 2,72% do PIB, e nos 12 meses, a R$ 70,68 bilhões, 2,13% do PIB, mesmo patamar de abril (R$ 70,37 bilhões, 2,15% do PIB).
Ressaltemos que estas divergências de resultado do Tesouro e do BACEN se explicam pelas diferentes metodologias de ambos. Devemos lembrar, também, que o resultado fiscal vem sendo sustentado pelo ótimo desempenho da arrecadação federal, já que as despesas seguem mantidas em perigosa trajetória, concentradas naquelas voltadas a Encargos e Pessoal.
Neste ano, a arrecadação federal cresceu 17,9% e as despesas aumentaram 18,5%. Os gastos com Custeio e Capital aumentaram 33,3%, nos Pagamentos de Benefícios 14,1% e com Pessoal 8,4%.
Por fim, a dívida líquida do setor público registrou R$ 1,37 trilhão, 41,4% do PIB, em queda devido ao crescimento da economia e a depreciação cambial, mas a dívida bruta, impactada pelos financiamentos do BNDES e do Tesouro, foi a mais de 60% do PIB.
Para os próximos meses, as projeções de mercado para o saldo primário oscilam em torno de 3,3% do PIB, sustentadas pela arrecadação em bom ritmo impulsionada pelo crescimento da economia, e a dívida líquida em torno de 41% do PIB.
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