Brasil no modelo CTI
Por André Averbug
No post “Empreendedorismo, inovação e prosperidade” introduzi o modelo capital-talento-instituições (CTI), que se propõe a explicar por que e como algumas nações prosperarem mais que outras. (Sugiro a leitura daquele post antes da continuação deste.) Desta vez, discutirei como o Brasil poderia encontrar o caminho de crescimento sustentado baseado no modelo CTI.
Parto de duas premissas fundamentais. Primeiro, que a estabilidade macroeconômica conquistada no final da década de 90, com inflação sob controle, câmbio relativamente estável e um mínimo de responsabilidade fiscal, permaneça inabalada, contribuindo para a queda dos juros no longo prazo. Segundo, que ocorra um esforço crescente em melhorar o gargalo da infraestrutura, de preferência mediante investimentos público-privados (PPP) em segmentos estratégicos, como estradas, ferrovias, portos e energia renovável.
Voltando ao modelo CTI, dos três elementos, o capital é relativamente o mais avançado. O Brasil possui mercado financeiro bem desenvolvido, com: bancos comerciais sofisticados, oferecendo serviços comparáveis aos de países desenvolvidos; bolsa de valores vibrante, promovendo alta liquidez e impondo boas práticas de governança (ex: Novo Mercado); fundos de private equity (PE) e venture capital (VC) florescendo com força, principalmente nos últimos dez anos; e instituições como Caixa Econômica, BNDES, Banco do Brasil e FINEP procurando preencher algumas das lacunas ainda existentes.
No entanto, o principal déficit de financiamento ocorre justamente em uma das áreas mais importantes para a perpetuação do modelo CTI: o capital semente ou seed capital. Enquanto empresas de médio e grande portes conseguem acessar capital com certa facilidade, as inovadoras de pequeno porte (mas alto potencial de crescimento) seguem carentes do apoio de fundos de capital semente, investidores-anjo e early-stage VCs, que sustentam centros de alta competitividade como o Vale do Silício nos EUA.
A existência limitada desse tipo de financiamento, entretanto, não é um problema isolado. Deve-se em grande parte à: (1) oferta insuficiente, ou seja, ao fato de não haver ainda no Brasil massa crítica de empreendedores/empreendimentos de alto potencial comparado ao seu tamanho; e (2) predominância de um ambiente institucional que inibe investimentos de maior risco e prazos alongados. Ou seja, deve-se ao déficit no desenvolvimento de talento e instituições.
No campo do talento, sentimos falta ainda de um estoque de capital humano qualificado para gerar inovações de alto valor agregado de maneira recorrente, alçando-nos em um ciclo virtuoso de competitividade e crescimento. Parte do problema é cultural. Hoje, o objetivo profissional da maioria dos engenheiros, cientistas ou administradores do Brasil é trabalhar em uma grande empresa ou adentrar o funcionalismo público. A combinação de bons salários e estabilidade faz com que muitos de nossos maiores talentos acabem em empresas como Petrobrás e Vale ou algum ministério. É claro que por um lado isso aumenta a qualidade de nossas grandes empresas e instituições; mas por outro, inibe o surgimento de inovações de ruptura, que tradicionalmente ocorrem nas start-ups, e novas empresas com alto potencial de crescimento.
Uma forma de abordar essa questão é através de mudanças estratégicas na forma de conduzir os ensinos primário e secundário. A educação colegial, além da baixa qualidade que precisa ser melhorada com urgência, permanece convencional, voltada à memorização com o objetivo de passar em provas. O jovem brasileiro, além de aprender as matérias tradicionais, deveria desde cedo ser treinado a solucionar problemas: Como monto uma cooperativa para resolver a questão do lixo reciclável na minha comunidade? Como mobilizo recursos para reformar nossa escola? Como desenvolvo uma oportunidade de negócio?
Aulas de empreendedorismo deveriam ser oferecidas nas escolas; a exemplo das feiras de ciência, competições de plano de negócios deveriam ser promovidas. Dessa forma, prepararíamos os futuros empreendedores e intrapreneurs (pessoas que desenvolvem inovações e empreendem de dentro de grandes empresas ou mesmo no setor público). Esse tipo de atividade prepararia nossos jovens não apenas para o vestibular, mas para tornarem-se agentes de mudança. Quem é cético quanto à nossa capacidade de transformar o mundo de baixo para cima, sugiro ver o filme “Quem se Importa?“, sobre a proliferação do empreendedorismo social no Brasil e no exterior.
Ainda no campo do talento, é importante atrair imigrantes qualificados, principalmente nos setores estratégicos ou carentes. Da mesma forma que os EUA se beneficiam da imigração das mentes mais brilhantes da tecnologia da Índia, China e Rússia (como mostrei em meu post anterior, 40% das empresas Fortune 500 foram fundadas por imigrantes ou filhos de imigrantes) poderíamos acolher cientistas, engenheiros, agrônomos e empreendedores no mínimo de nossos vizinhos da América Latina, Portugal e Espanha, e África Portuguesa. Poderíamos também promover com mais vigor a vinda de estrangeiros que desejem abrir empresa no Brasil, contanto que cumpram exigências mínimas, como por exemplo investimento igual ou maior que R$ 1 milhão e contratação de um determinado número de brasileiros. Essas empresas já nasceriam com a cultura de multinacional, enriquecendo ainda mais nossa diversidade e capacidade de internacionalização.
Finalmente, o Brasil precisa fortalecer suas instituições (na definição econômica do termo), proporcionando um ambiente de negócios favorável à proliferação de empresas competitivas e responsáveis. Uma questão chave é a reforma trabalhista. Enquanto for tão caro contratar pessoas e tão difícil demiti-las, grande parte da mão de obra continuará sendo informal ou contratada de maneira sub-ótima. Carecemos de um mercado de trabalho mais flexível, permitindo que erros sejam corrigidos de forma rápida e não onerosa, e onde os incentivos estejam alinhados para ambas as partes. Outra reforma fundamental é a tributária. A simplificação de nossos impostos, principalmente o corporativo, liberaria grande quantidade de recursos – financeiros e de mão de obra – para atividades produtivas.
Ainda no campo institucional, existe uma série de outras questões que afetam a dinâmica de nossa economia e portanto precisam ser corrigidas. O estudo “Doing Business” do Banco Mundial, que envolve 185 países, ressalta os seguintes gargalos (em parêntesis está a colocação do Brasil no ranking de cada indicador): procedimentos para abrir negócio (121), registro de propriedade (109), proteção a investidores (82), cumprimento de contratos (116) e resolução de insolvências (143). Enquanto esses obstáculos institucionais permanecerem, é difícil vislumbrar uma rota de crescimento sustentado.
Em conclusão, dos três elementos, o talento é no momento o que requer maior ênfase, até pelo seu poder de transformação. Uma sociedade bem educada, com postura empreendedora, cobra de forma mais dura de seus governantes as necessárias mudanças institucionais. Uma vez que o gargalo institucional começa a ceder e a oferta de talentos cresça, o capital aumenta na mesma proporção, de forma orgânica, fomentando empresas e projetos competitivos e alçando o país em um ciclo virtuoso. Deixaremos finalmente de ser o eterno país do futuro.
Fonte: Blog “O meio e o si“
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