Discutir o papel do Estado na produção cultural brasileira e propor novas formas de investimento na área. Esse foi o objetivo do 6º colóquio ‘Cultura, mercado e liberdade de expressão’, promovido pelo Instituto Millenium na quarta-feira, 8 de dezembro, no Rio de Janeiro. O convidados foram o antropólogo Roberto DaMatta, o diretor de teatro e cinema Moacyr Góes e o secretário de Estado da Justiça e do Desenvolvimento Social do Rio Grande do Sul, Fernando Schüler. A mediação do debate foi do diretor-executivo da instituição, Paulo Uebel.
Schüler abriu a discussão afirmando ser necessário repensar o modelo de gestão da cultura brasileira. Segundo o secretário, estamos tão acostumados com a Lei Rouanet que não percebemos os seus problemas. Nos Estados Unidos, de acordo com ele, 75% dos investimentos em museus, orquestras e centros culturais são oriundos de pessoas físicas. Elas definem diretamente o que vão financiar. “Defendo esse tipo de modelo, sem a mediação de Brasília. O que precisaria ser aprimorado, nesse caso, seria o sistema de controle, ser duro com a punição caso houvesse desvios”, afirmou.
De acordo com Góes, as leis de incentivo são mal elaboradas e mal aplicadas. “Não haverá a formação de um mercado se elas continuarem desse jeito. As iniciativas fora desse esquema são minoritárias”, disse. Ele criticou ainda a burocracia e a centralização do modelo atual. “Todos os projetos vão para Brasília. Quando o setor entra em greve a produção cultural para no país inteiro”.
O diretor criticou o fato de muitos ingressos serem caros mesmo utilizando as leis de incentivo. “Quem financia o Cirque de Soleil, por exemplo, é todo o povo brasileiro, que deveria ter o direito de ver o espetáculo. Mas é uma situação perversa, quem financia não tem condições de assistir. Isso está errado”, afirmou. Segundo Góes, o Estado deveria entrar nos projetos como parceiro, não como produtor. “Por que o Estado precisa financiar festas juninas? Elas sempre existiram sem ele. Acaba sendo uma forma de controle”.
Ex-chefe de Gabinete do Ministério da Cultura e ex-diretor da Fundação Iberê Camargo, Schüler não crê que exista restrição ideológica no uso da Lei Rouanet, “ela é técnica”, mas ressaltou que um sistema burocrático pesado também pode emperrar a liberdade, evaporando o conceito indiretamente.
Para ele é preciso repensar a forma como o setor público atua e controla a produção dos funcionários. “Um músico, por exemplo, pode desafinar a vida inteira, faltar a ensaios, que irá manter o seu emprego. Se não houver migração para outro modelo, será inviável ter qualidade em muitos projetos culturais”, pontuou. Góes recordou uma experiência vivida anos atrás no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. “Estava ensaiando uma ópera e as pessoas do coro começavam a trabalhar já se preparando para ir embora. Elas paravam o ensaio no meio porque havia chegado o fim do expediente”.
O secretário gaúcho aproveitou para comentar a recente avaliação do ensino brasileiro no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês). Segundo Schüler, a questão fundamental para reverter a má posição do país no ranking não passa necessariamente pelo investimento na qualificação do professor, mas sim pela cobrança de resultados nas escolas. “O mesmo professor dá aulas no ensino privado e no setor público, mas nas escolas estatais o chefe não cobra, não há punição por faltar, não tem cobrança dos pais dos alunos etc. Há uma crise do ensino público brasileiro. E isso aumenta o fosso da desigualdade”.
DaMatta centrou suas críticas no patrimonialismo brasileiro, que impede o curso de movimentações importantes para o país e a valorização da meritocracia. O antropólogo, autor do clássico “Carnavais, malandros e heróis – Para uma sociologia do dilema brasileiro” (Rocco), disse ainda que se houvesse uma “FutBras” o país não teria ganho cinco vezes a Copa do Mundo.
Ana Paula Conde é diretora de conteúdo do Instituto Millenium, jornalista, professora do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio e doutoranda em História, Política e Bens Culturais do CPDOC/FGV.
Confira a matéria no site “Nós da Comunicação”
No Comment! Be the first one.