No último fim de semana o G-20 (grupo dos maiores países desenvolvidos e emergentes) publicou uma declaração se comprometendo com o processo de consolidação fiscal nos próximos anos. Concretamente (ou, tão concretamente quanto documentos genéricos permitem) promete que os países diminuirão seus déficits fiscais à metade até 2013, tarefa que requererá redução apreciável do gasto e, muito provavelmente, elevação não menos considerável de impostos. Curiosamente, por proposta semelhante, a Alemanha foi criticada por alguns de seus parceiros no grupo, que agora podem ter mudado de ideia.
A verdade, porém, é que, para alguns países, não há alternativa ao ajuste fiscal. Aqueles que encontram dificuldades para rolar suas dívidas e emitir novos títulos não têm escolha que não passe pela sinalização consistente que terão capacidade de honrar o serviço da dívida nos próximos anos, sob pena de enfrentarem custos crescentes na emissão de novos papéis. Sem isso, a elevação das taxas de juros nos títulos públicos não só manterá o crescimento muito baixo, mas também poderá levar à deterioração persistente da dinâmica da dívida pública.
No entanto, há países que não passam pelo mesmo tipo de constrangimento, e que poderiam, pois, manter o estímulo fiscal. Será que esses também deveriam se engajar num processo de consolidação fiscal? A resposta, como pretendo argumentar, é positiva, mas a sequência temporal do ajuste é uma decisão tão importante quanto sua magnitude.
Para entender, considere um exemplo muito simples, de um país que exista apenas por dois períodos, Presente e Futuro, gastando e tributando exatamente o mesmo valor em cada período. Para evitar complicações desnecessárias, suponha que a taxa de juros seja zero. Imagine agora que o governo decida elevar os gastos em $ 10 em ambos os períodos, sem aumentar os tributos no Presente. Isto significa que, no Futuro, não só o governo terá que aumentar os impostos em $ 10 para cobrir os gastos mais elevados, como precisará de $ 10 adicionais, para pagar a dívida herdada do Presente. Vale dizer, ao aumento de $ 20 em gastos ($ 10 em cada período), deve corresponder uma elevação de $ 20 em impostos no Futuro.
Sabendo disso, consumidores também deverão poupar $ 20 para pagar os novos impostos. Se preferirem, como costuma ser o caso, suavizar seu consumo, pouparão $10 no Presente e $ 10 no Futuro, compensando integralmente a expansão fiscal. No caso, o aumento do gasto público seria ineficaz para acelerar o crescimento.
Alternativamente, o país poderia elevar seus gastos apenas no Presente. Ainda precisaria aumentar seus impostos em $ 10 no Futuro para pagar a dívida contraída no Presente, mas não teria déficit naquele período. Assim, os consumidores só precisariam poupar $ 5 no Presente e $ 5 no Futuro. Isso significa que a elevação do gasto público conseguiria acelerar o crescimento no Presente, pois o aumento da poupança privada não seria suficiente para contrabalançar o impulso fiscal. Obviamente, no Futuro, com os gastos de volta a seu nível original e a poupança privada mais elevada, a economia cresceria mais devagar. De qualquer modo, um aumento temporário dos gastos teria efeitos positivos sobre o crescimento corrente.
Considere agora uma terceira alternativa. O governo eleva seus gastos em $ 10 no Presente, mas os reduz em $ 10 no Futuro. Neste caso não há necessidade de elevar os impostos e, assim, consumidores não alteram sua poupança. No Presente, portanto, o efeito do aumento do gasto sobre a demanda é total, isto é, a política fiscal é mais potente no sentido de acelerar o crescimento no Presente quando há um compromisso no sentido de reduzir o gasto público no Futuro.
Obviamente o mundo é bem mais complicado que o exemplo acima, mas, ainda assim, ele nos oferece um marco de referência para a política fiscal. Em particular, indica que um compromisso crível de redução de gastos futuros não deve ser prejudicial ao crescimento corrente. Ao contrário, é provável que amplifique os efeitos da política fiscal no presente.
Além disso, o exemplo sugere que ajustes fiscais com ênfase na redução do gasto (ao invés de elevação de impostos) também implicam maior potência da política corrente. Mesmo que não queiramos interpretar literalmente esse resultado, há bons motivos para crer que, privilegiando esse aspecto da política fiscal, há melhores condições para a recuperação econômica. Adicionalmente, Alberto Alesina e Silvia Ardagna acharam sólida evidência sugerindo que ajustes pela redução de gastos teriam maior efeito para diminuir de forma persistente déficits e dívidas.
De maneira geral, portanto, ao menos em tese, a abordagem proposta pelo G-20 parece ser a mais correta. Assim, se alguém está preocupado com a retomada do crescimento corrente não deveria criticar um projeto de ajuste fiscal que promete consolidação apenas num futuro razoavelmente distante. Pelo contrário, moderação futura é precisamente o que garante a maior eficácia do esforço presente.
Fonte: Jornal “Brasil Econômico” – 07/01/10
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