A iminência de um decreto de prisão contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos próximos dias levou ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) a reforçarem a pressão na Corte para que a execução de penas em segunda instância volte a ser debatida pelo plenário. O ministro mais antigo, Celso de Mello, convocou os colegas para uma reunião de emergência ainda nesta terça-feira, na qual o tema deve ser o principal assunto. Apesar da investida dos colegas, a presidente da Corte, Cármen Lúcia, reafirmou na segunda-feira que não vai pautar a matéria.
Cármen Lúcia resiste em pautar as duas ações que tratam do tema, já liberadas desde dezembro para julgamento pelo relator, ministro Marco Aurélio Mello. Ela é favorável à manutenção da regra atual. Celso de Mello, por outro lado, é favorável à prisão somente após esgotados todos os recursos, conforme orientação vigente antes de 2016. Na semana passada, ele disse a Cármen que alguns colegas gostariam de conversar com ela. A reunião será no gabinete da Presidência do tribunal.
A presidente do STF também não agendou para o plenário o julgamento do habeas corpus preventivo, impetrado pela defesa de Lula, tampouco o relator da matéria, ministro Edson Fachin, decidiu levar o pedido ao plenário em mesa, ou seja, sem o agendamento prévio do processo. Fachin defende a manutenção das prisões em segunda instância, conforme o entendimento vigente.
Em entrevista à “TV Globo”, Cármen fez questão de deixar claro que uma eventual análise de habeas corpus sobre um caso específico não teria possibilidade de mudar a jurisprudência da Corte, que desde 2016 entende que uma pessoa pode ser presa após ser condenada em segunda instância.
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— Não há nenhuma razão para que a matéria volte agora abstratamente para levar a uma mudança da jurisprudência, desse entendimento. Por isso, tendo a pauta, não cedo para que isso venha a acontecer, porque não há razão para isso. — disse a presidente do STF à “TV Globo”, que complementou: — Eu acho que a matéria está decidida. Ela foi decidida em 2009 pela primeira vez. Ficamos vencidos naquele entendimento de que só poderia ser executada uma pena após o trânsito julgado. Em 2016, chegamos à conclusão que não, que isto levaria a uma não punição, à prescrição de crimes, à impossibilidade de a sociedade ter a resposta de justiça que ela espera. Não houve mudança significativa nem da posição do Supremo nem de dados que me levam a pautar.
Também ontem, o ministro do STF Gilmar Mendes alfinetou, de uma vez só Cármen Lúcia e os demais ministros da corte. Primeiramente, Mendes criticou a recusa de Cármen em pautar a rediscussão sobre a execução de pena após análise em segunda instância. Depois, apontou o dedo para seus colegas, os quais, segundo ele, adotam postura ativista em suas decisões. Nos dois casos, foi irônico. Mendes disse que a análise de pedidos de réus presos ou com possibilidade de serem presos é prioritária no STF.
— Nunca ninguém discutiu a pauta ou não de um habeas corpus. Isso é coisa de “Direito Achado na Rua” (uma corrente no pensamento jurídico). Quando há possibilidade de o réu ser preso ou está preso, em geral, colocamos isso com a maior urgência. Isso não está à disposição do presidente — disse o ministro.
GILMAR NEGA HC COLETIVO
Gilmar Mendes é relator no STF de um dos dois habeas corpus coletivos apresentados na semana passada pela Associação dos Advogados do Estado do Ceará (AACE), solicitando que todos os condenados em segunda instância sejam libertados ou impedidos de serem presos. Ontem à noite, ele negou o pedido por considerá-lo genérico. “Seria temerária a concessão da ordem, um vez que geraria uma potencial quebra de normalidade institucional. Isto porque, ainda que pairem dúvidas acerca da manutenção, ou não, do entendimento desta Corte em relação ao tema, as prisões em tela têm justa causa”, anotou Gilmar
Paralelamente às discussões entre os próprios ministros do STF, representantes de 12 associações de advogados vão entregar memorial em apelo para que a Corte confirme a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal e, a partir daí, ponha fim às prisões de réus condenados em segunda instância. O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, um dos autores do memorial, nega que o movimento tenha como objetivo pressionar o tribunal a emitir uma decisão favorável a Lula. Segundo ele, a falta de definição sobre o assunto tem sido prejudicial a todos os réus que estão sendo presos para cumprir penas mesmo sem condenação definitiva.
— O processo está apto a ser julgado desde dezembro. Não tem nada a ver com o Lula. Tem a ver com a situação “lotérica” que vivemos hoje. Se o pedido de um habeas corpus cai numa Turma do STF, o resultado é um. Se cai na outra Turma, o resultado pode ser o oposto. Isso não é apequenar o STF — disse Kakay, numa referência as divergências no STF sobre o assunto.
Fonte: “O Globo”