Idealistas defendem a democracia pelo conforto de viver sem medo de expressar opiniões ou sem a coação para aceitar que um determinado grupo tenha se apropriado do poder. Acontece que empresários pragmáticos podem ter mais interesse em defender ideais democráticos do que vários idealistas podem supor. A democracia amplia possibilidades de negócios. Por exemplo, se toda a população só pudesse vestir um macacão azul e ler um livro vermelho, haveria uma séria limitação para o desenvolvimento da indústria têxtil e do mercado editorial. O regime político que privilegia a pluralidade de opiniões e aceita padrões de consumo díspares viabiliza negócios criativos com trabalhos diferentes, que podem inserir e ocupar uma população crescente nos mercados da economia. Ademais, a economia de mercados viabiliza a liberdade de escolha, considerando a existência de infinitas combinações de preferências, decorrentes da complexidade da alma humana.
Quando uma obra é censurada, o trabalho intelectual não é remunerado, gastos pagos antecipadamente não são reembolsados e várias pessoas são privadas de novas fontes de renda. As perdas econômicas podem ser substanciais com a falta de democracia. Todavia, mesmo num regime democrático, não se deve falar, escrever ou fazer, o que se quer, sem avaliar as conseqüências, ainda que o regime democrático impeça a punição arbitrária por discursos, textos ou atos. Todos devem se interessar pela coesão social, pois as revoluções comprovadamente favorecem poucos em detrimento de muitos, sem proporcionar alguma transformação benéfica e sustentável para todos.
Tanto a eclosão de revoluções quanto a formação de bolhas especulativas nos mercados financeiros decorrem da possibilidade de haver efeito manada. Nem sempre é possível identificar a liderança capaz de fazer um grupo crescente de pessoas se envolver com um tema e apoiar uma orientação sem entender o porquê. Como detalho com mais profundidade no meu livro “Crise e Prosperidade Comercial, Financeira e Política” (Probatus Publicações), formadores de opinião, agindo em uníssono, comunicando com calma e clareza argumentos incorretos e incompletos, porém encadeados com uma lógica difícil de refutar e com palavras bem escolhidas, podem insuflar uma massa a derrubar um governo ou a contribuir para a desvalorização de uma moeda. Por isso, o funcionamento da democracia requer lideranças, que podem ter interesses e expectativas diferentes e até divergentes, porém os líderes precisam ter um compromisso com a governabilidade. Quando acordos são inviáveis e há desrespeito às decisões de consenso (ou da maioria), tem-se um preocupante sintoma de ausência de coesão social com reflexos sobre as atividades econômicas.
Crises políticas comprometem a prosperidade econômica e social, notadamente quando um excesso na concentração de poder – sendo a concentração de renda um sintoma – impede a realização de trocas favoráveis para todos. Quem se sente auto-suficiente não é estimulado a estabelecer transações de bens, serviços e idéias. Por outro lado, miserável é quem não tem oportunidades de inserção social para estabelecer trocas. O conceito de miséria, considerando a ausência de oportunidades, é muito mais amplo do que a simples falta de acesso ao dinheiro. Assim, a fome não é um problema estritamente econômico e, sim, político. A doação de dinheiro, ou mesmo de alimentos, aos famintos pode até ser uma solução de curto prazo, para uma situação de emergência (após uma enchente, por exemplo), mas não equaciona o objetivo primordial de inserir excluídos em um grupo, estabelecendo trocas, quando a vida é mais fácil e prazerosa, em comparação à vida solitária. Quem procura estabelecer trocas, na realidade está reconhecendo que os outros têm algo a oferecer, ao passo que aquele que, apenas, faz doações, na essência reforça superioridade, condescendência e auto-suficiência. Por outro lado, aquele que simplesmente recebe doações, sem precisar conquistá-las ou demonstrar merecimento, pode se sentir inútil e prisioneiro. Relações de troca devem demonstrar um respeito mútuo, além de ampliar mercados.
Concluindo, problemas financeiros de pessoas, empresas e países não são resolvidos com medidas exclusivamente “técnicas”, porque tais problemas resultam de interações sociais e relações de poder. Crise e prosperidade comercial e financeira de pessoas, empresas e países resultam, portanto, de relações políticas, e sua duração dependerá do resultado de negociações que avaliem interesses, expectativas e poder dos envolvidos.
(Texto originalmente publicado na na coluna “Além do Fato” do caderno “Economia&Negócios” na página A18 da edição de sábado, 19 de fevereiro de 2005, do Jornal do Brasil.)
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