No próximo dia 4 será retomado o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula relativo à sua condenação em segunda instância e à sua provável prisão pelo TRF-4. Não se trata de um evento qualquer, não apenas por dizer respeito a um ex-presidente já condenado, mas por ser nele decidido se a lei e a Constituição valem para todos ou não.
Com muita propriedade, um ministro disse que, para ele, não fazia a menor diferença o ex-presidente ou outro cidadão qualquer, pois ou vigora a universalidade da lei ou vale apenas a dos que têm mais dinheiro para recursos ou mais prestígio para impor a sua vontade. Em todo caso, seria a coisa pública, a República, que estaria desmoronando.
A questão torna-se ainda mais premente por estar a sociedade brasileira em luta ferrenha contra a corrupção e os mais diferentes tipos de privilégios. É tanto o sucesso da Lava Jato quanto os benefícios e penduricalhos de juízes e promotores, cujo caso mais emblemático atualmente é a imoralidade do auxílio-moradia.
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Dentre outras consequências, nesse dia se decidirá se o Brasil voltará a ser o país da impunidade ou não. Se nele só os mais desfavorecidos vão para a cadeia ou se maiores criminosos, sobretudo os craques no desvio de recursos públicos, sofrerão ou não o mesmo destino. O Brasil já fez um longo percurso no combate à corrupção. Seria uma verdadeira lástima se o sufocamento da Lava Jato fosse a sua conclusão.
É imperioso que, neste contexto, a sociedade reaja e não caia na apatia. Esta pode ser o prelúdio da anomia, podendo abrir caminho para as mais diferentes violações da liberdade. De nada adiantam discursos empolados sobre a doutrina brasileira do habeas corpus enquanto doutrina da liberdade se sua conclusão for a mera liberdade para praticar atos criminosos, assegurando a seus agentes a impunidade. A liberdade não é o arbítrio do delinquir.
Nenhum engano é aqui possível. Se passar o habeas corpus de Lula, livrando-o da prisão após a condenação definitiva em segunda instância, o próximo passo será a tentativa do petista de conseguir um artifício jurídico do mesmo tipo habilitando-o à candidatura presidencial.
No caso em questão, o Judiciário em primeira e segunda instâncias cumpriu a sua função. O mesmo fez o Ministério Público Federal.
O Superior Tribunal de Justiça seguiu a mesma linha. O País parecia estar se dirigindo para um governo de leis, valendo para todos os cidadãos. Mas eis que a Suprema Corte, num movimento brusco, adota outro procedimento, em grande controvérsia entre seus membros. A mensagem foi clara: a Lava Jato encontrou aqui o seu limite, em que pese o seu amparo em todas as outras instâncias jurídicas. Essa operação estaria caindo por suas virtudes, e não por seus vícios.
Acontece que o STF veiculou também outra mensagem, a de ser um Poder que se desacredita cada vez mais perante a sociedade. Ele está pavimentando o caminho para uma espécie de desmoronamento institucional de consequências imprevisíveis, causando graves danos à democracia.
Faça-se aqui menção, que deveria ser meramente anedótica, se não fosse da maior gravidade, ao comportamento de alguns ministros. Um chegou a dizer que uma decisão anterior do mesmo tribunal, de repercussão geral, seria “provisória”, por sua vitória ter sido apertada. Não importa, na verdade, o escore, mas o resultado, que passa a valer para todos os casos do mesmo tipo. Se assim não fosse, decisões do Supremo tenderiam, em sua maioria, a ser provisórias e relativas, instalando a insegurança jurídica. A Corte encarregada de dirimir conflitos em última instância estaria perpetuamente submetida às idiossincrasias de seus membros.
Outros fatos foram estonteantes. Num país onde a maioria da população ganha de um a cinco salários mínimos, trabalhando arduamente, os ministros dão-se ao luxo de não prolongar uma sessão da maior importância para o País, conferindo ainda salvo-conduto a um condenado. Não poderiam trabalhar mais duas ou três horas, ou o tempo que fosse necessário? Seria o País secundário? Ou seriam mais importantes viagens previamente agendadas? O exemplo para a Nação foi péssimo!
Enquanto isto, o condenado segue em campanha eleitoral por todo o País, nos últimos dias na Região Sul, como se sua candidatura fosse perfeitamente justificável. A lei para ele não vale, aproveitando-se de todos os espaços para se apresentar ao “julgamento” do povo, como se fosse deste a função de julgar atos criminosos. Na verdade, o que Lula, o PT e seu grupo almejam é tornar a
Constituição uma peça de ficção, mero instrumento de seus objetivos não democráticos. Pretendem que o Brasil se torne uma Venezuela. Aqui como lá, o povo seria apenas a ferramenta para impor ao País um regime “socialista”. Eles seriam “O Povo”.
Reclamar agora de um episódio de violência mal explicada de tiros que não produziram nenhum efeito não deixa de ser vulgar encenação. Quantos tiros o MST não deu pelo País afora com o total apoio de Lula e do PT? E os sequestros de trabalhadores e empreendedores rurais? E a destruição de propriedades? E a morte e mutilação de animais, com os tendões cortados? Quem semeia violência colhe os seus frutos.
Ora, não deixa de ser risível que esse mesmo MST, considerado por Lula o seu “exército”, esteja encarregado de sua proteção. Dizem eles procurar a paz, quando não cessam de produzir conflitos. Grupos acostumados a violar a lei têm agora a “missão” de se apresentar como seus defensores.
A sociedade não pode ficar apática. Deve manifestar-se publicamente antes da decisão final do Supremo, indo às ruas, com a mensagem de que a impunidade e o arbítrio não devem prevalecer. Se não o fizer, estará, por omissão, contribuindo para uma séria crise institucional. Uma sociedade indignada não se deixa dominar.
Fonte: “Estadão”, 02/04/2018