A última reunião ministerial da Organização Mundial de Comércio (OMC), em dezembro, terminou com acordos nas áreas de facilitação de comércio, em alguns itens da agenda da agricultura, em algodão e em temas de interesse dos países de menor desenvolvimento relativo. Ficou, assim, afastada a ameaça de esvaziamento da OMC, pelo menos no futuro imediato. A partir dessa decisão, os países membros terão de enfrentar três desafios para manter a OMC viva: retomar efetivamente as negociações da Rodada de Doha; tentar incluir na OMC os acordos regionais e bilaterais e suas regras; e reformar a governança da instituição.
Os países membros decidiram dar mandato de um ano para a OMC definir uma pauta para a retomada das negociações da Rodada de Doha. Conforme já indicado pelo diretor-geral da OMC, o brasileiro Roberto Azevêdo, realisticamente, a agenda a ser definida em 2014 terá de ser menos abrangente e mais enxuta para obter consenso. A reação dos países em desenvolvimento é previsível, como já indicou o ministro do exterior, Luiz Alberto Figueiredo: para o Brasil, a retomada das negociações da Rodada de Doha depende da inclusão na pauta das distorções comerciais na agricultura.
O segundo desafio é como incluir nas negociações multilaterais os acordos de livre comércio que estão sendo discutidos fora da OMC. Mais de 500 acordos regionais e bilaterais estão em exame e 345 foram notificados à organização e estão em vigor. A função de monitoramento desses acordos, um dos pilares da OMC, no entanto, não está sendo exercida por falta de condições técnicas e políticas. Como multilateralizar as concessões e as regras negociadas fora da OMC e que ultrapassam os limites hoje vigentes, como as chamadas de OMC plus (serviços, barreiras técnicas ou propriedade intelectual), bem como as que tratam de temas que estão fora do marco da OMC (investimento, meio ambiente).
Para enfrentar esses questões (ressuscitar Doha e acordos e regras fora da OMC), os países membros deverão responder ao terceiro desafio: como reformar e modernizar a OMC. Tal como funciona hoje, a OMC não está preparada para reagir às demandas da globalização, da evolução do comércio global e da revolução das cadeias produtivas, responsáveis por 56% do intercâmbio comercial e 72% dos serviços no mundo. Com 160 países membros, as decisões por consenso serão cada vez mais difíceis e formas alternativas para obter consenso pela maioria terão de ser encontradas; a manutenção do tratamento especial e diferenciado aos países em desenvolvimento já está sendo questionada pelos desenvolvidos para países como a China, o Brasil, a India e outros; o princípio de que nada estará aprovando a menos que cada acordo individual esteja decidido (single undertaking) está sendo um fator impeditivo de avanço como se viu na Rodada de Doha.
As transformações por que passam o comércio internacional e a economia brasileira exigem que a análise e a decisão desses temas sejam feitas de maneira pragmática, segundo o que é de fato o interesse nacional e sem influência ideológica.
Fonte: O Globo, 25/02/2014
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