Apesar de não ser considerado ‘requisito’ para a eficácia da nova legislação, em vigor desde janeiro, decreto federal poderia esclarecer atenuantes e agravantes das penas
Em vigor desde 29 de janeiro deste ano, a Lei Anticorrupção, que responsabiliza a pessoa jurídica por “atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira”, ainda aguarda regulamentação. Apesar do decreto federal não ser “requisito” para a vigência e eficácia da nova legislação, como afirma o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, a falta de regulamentação cria um ambiente de insegurança jurídica para empresas e incertezas quanto à fiscalização.
Além de não estabelecer quais órgãos serão responsáveis, de forma efetiva, por fiscalizar Estados e municípios, a Lei 12.846/13 ainda não deixa claro quais medidas serão consideradas agravantes ou atenuantes para companhias punidas em casos de corrupção.
A legislação prevê pena de 0,1% a 20% do faturamento bruto do exercício anterior ao da instauração do processo. A variação da multa está associada à dosimetria da pena: quanto mais mecanismos de transparência e sistemas de controles a empresa possuir, mais próxima estará do mínimo previsto.
“A falta do decreto cria problemas em termos de procedimentos. Na dosimetria da multa, a lei cita certas circunstâncias, como agravantes e atenuantes, mas a margem é muito grande”, afirma um dos formuladores da legislação, Luiz Navarro. “A lei definiu grandes balizas, seria importante que o decreto trouxesse alguma luz sobre isso”, defende o advogado, que ocupou ao longo dos últimos sete anos o posto de secretário executivo da CGU.
Coordenador jurídico do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Richard Blanchet também vê um parâmetro muito largo na dosimetria da pena. “Uma multa que chegue a 20% do faturamento bruto anual beira o efeito confiscatório. Isso é um ponto frágil na lei”, adverte.
Outro aspecto que traz insegurança jurídica para empresas é a falta de uma definição sobre quais mecanismos de controle interno o governo federal vai considerar como adequados para evitar casos de corrupção. “Ainda é preciso detalhar o que vem a ser um bom programa anticorrupção. Da forma como está hoje, não se sabe o quanto um programa desse tipo pode atenuar uma multa”, alerta Navarro.
Ao Estado, Jorge Hage afirmou que a previsão é de que o decreto federal venha apenas para regulamentar o inciso 8º do artigo 7º da lei, sancionada em 1º de agosto de 2013. Esse ponto define justamente os parâmetros para avaliação dos sistemas de compliance, isto é, do conjunto de medidas que visa a garantir o cumprimento às leis, para evitar, detectar e corrigir irregularidades nos negócios de uma empresa.
Na ausência sobre o que o governo irá estabelecer como adequado, “o administrador terá uma liberdade maior para avaliar o programa de compliance para sua empresa”, segundo o ministro, que acredita que os mecanismos a serem indicados seguirão o padrão encontrado no mercado – controles internos, auditorias internas e externas, códigos de conduta e ética, dentre outras práticas.
Fiscalização– Como a legislação trata de casos de corrupção em todo o País, as regulamentações em Estados e municípios servirão para definir quais serão os órgãos responsáveis pela fiscalização. Segundo informações da CGU, a Lei foi regulamentada nos Estados de São Paulo – no qual a capital também já fez a regulamentação –, Paraná e Tocantins.
Na visão de Richard Blanchet, a legislação ficou genérica nesse ponto. “Não há uma definição clara de competências sobre o quê cada órgão vai fiscalizar.” Diante desse gargalo do País, Luiz Navarro defende que há mecanismos para garantir a eficácia da legislação, mesmo em pequenos municípios que não possam ou não tenham estrutura para cumprir a lei. “O artigo 20 diz que se o administrador não puder cumprir a legislação, o Ministério Público poderá substituí-lo em uma ação judicial.”
Ainda que a implementação da lei tenha criado estímulos para que empresas se previnam e evitem atos ilícitos, o ministro Jorge Hage reconhece que o País carece de estrutura para fiscalização, em virtude da estrutura federativa e das dimensões continentais do Brasil.
“É de se imaginar que um município com 10 mil habitantes não tenha estrutura e sofisticação como as da capital de São Paulo. Essa é nossa realidade”, afirma. “A lei não poderia ter sido feita de outra forma, porque nossa Constituição dá autonomia a cada um dos entes da federação.”
Embora não tenha causado ainda nenhuma punição em nível federal – legislação só pode ser utilizada para punir atos ilícitos que ocorreram após sua entrada em vigor –, Hage acredita que a lei “pegou” no Brasil, com o aumento da preocupação de empresas em prevenir e tratar atos ilícitos. “O principal objetivo dessa lei é o efeito inibitório”, afirma.
Richard Blanchet alerta, porém, que as empresas ainda estão em um estágio inicial da adoção de medidas, em virtude do processo de regulamentação não estar completo e da fiscalização não ser efetiva.
Coligadas – Richard Blanchet, do IBGC, alerta ainda que o mecanismo de responsabilidade solidária previsto na Lei, no qual uma companhia também pode ser responsabilizada por atos ilícitos cometidos por empresas coligadas – companhias que têm participações em outras empresas – pode causar punições desproporcionais. “Não é possível monitorar tudo em uma coligada”, afirma.
De acordo com o ministro Jorge Hage, a CGU, porém, não pretende fazer nenhuma revisão nesse ou em outro ponto da Lei. “A responsabilidade solidária será analisada pelo princípio da razoabilidade”, argumenta. “Vivemos em um sistema hierarquizado, acima de todas as leis está a Constituição. O princípio da razoabilidade não é outra coisa que o princípio do bom senso.”
A CGU já enviou a minuta da regulamentação para o Palácio do Planalto. Em nota, a Casa Civil informou que o decreto está “em análise” – sem previsão de aprovação –, mas que a Lei Anticorrupção “já está em vigor, independente de qualquer regulamentação do poder executivo federal”.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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