O termo fordista originou-se do mecânico processo de produção fabril que revolucionou o trabalho em larga escala com ganhos de eficiência, levando o Ford bigode à incipiente classe média americana a custa da decência do trabalho dos operários. O filme de Charles Chaplin “Tempos Modernos”, de 1936, época da Grande Depressão, eternizou a crítica ao estilo linha de montagem. O estilo fordista simboliza a exploração do homem pelo homem, a feia fumaça apagando as estrelas e etc.
Em oposição ao “growth is good” e ao “bigger is better” fordista, surgiu o “small is beautiful”, título do livro do britânico E. F. Schumacher, da época do primeiro choque do petróleo. Schumacher, economista regulador do setor carvoeiro, antecipou as preocupações ecológicas e de qualidade de vida, hoje em voga. O livro prega a redução de escala dos negócios. Um manifesto pró-pequenos produtores. No que tange apenas a tamanho, não devemos ser maniqueístas, definindo a pequena escala como boa e a produção massificada necessariamente como ruim e feia (“The good, the bad and ugly”).
As empresas maiores sobem 16,7% de 2003 a 2011 e a formalidade 16%. Floresce o fordismo formal.
A busca do belo é inerente à natureza humana, seja no sentido estético, seja no ético. Mas como se diz, beleza não se discute. Meus colegas da tradicional elite tupiniquim que me desculpem, mas a redistribuição de renda recente foi fundamental. Ela é bonita, é bonita e é bonita. O que não significa que o homem branco, de alta escolaridade, morador da grande cidade e que perdeu renda no período recente tenha que concordar comigo. Agora, não dá para não admirar, mesmo que da janela, a plasticidade e a cadência das transformações brasileiras da última década, face à crescente desigualdade que desfigura sociedades desenvolvidas e emergentes.
A princípio, desconcentração de renda entre pessoas estaria associada à desconcentração de mercado entre empresas. Oligopólio não rima com equidade. Um país mais povoado de pequenas empresas combina com maior equidade. O único problema dessa visão é que ela está aqui e agora errada. O Brasil do século XXI se tornou mais igualitário, mas também mais fordista e formal. Senão vejamos.
O destaque trabalhista brasileiro recente não é a taxa de ocupação na população em idade ativa (PIA), que estava nos mesmos 67,2% no auge do Plano Real em 1995, como em 2009 (em 2001, no mínimo era 63,9% – nesse ínterim a PIA subiu). Agora, mudança mais atraente foi o aumento da taxa de formalidade entre os ocupados, que era 25,4% em 1995 e chega a 30,1% em 2009 (passando pelo piso de 23,4% em 2001). Mais contribuição previdenciária significa mais custos para as empresas, mais receitas para o Estado e mais garantias ao trabalhador, empregado por suposto. Aqui chamo de fordista o simples aumento do tamanho dos negócios. A participação de empresas maiores, aquelas com 11 ou mais empregados, a faixa mais alta da PNAD, sobe de 22,8% em 1995 para 28,7% em 2009. Floresce aqui o fordismo formal.
A participação do segmento identificado de pequenos empresários na população ocupada cai de 18,3% em 1995 para 16,3% em 2009, o mínimo da série histórica da nova PNAD. Os conta-próprias caem de 15,5% em 1995 para 13,3% em 2009, o mais baixo da série. Os nossos negócios nanicos nunca foram tão poucos.
Se atualizarmos o quadro da última PNAD de 2009, ano da crise especialmente adversa ao fordismo formal, para 2011 pela PME que cobre apenas as seis maiores metrópoles brasileiras, vemos mais do mesmo: queda da desigualdade de renda, neste caso do trabalho, e aumento de ocupação. O fordismo formal prospera ainda mais. Até novembro de 2011, a taxa de formalidade previdenciária aumenta 6,4% desde 2009 (cresce 16% desde 2003). A participação de empresas acima de 10 empregados sobe 6% desde 2009 (cresce 16,7% desde 2003). Há continuidade da queda de participação do ramo dos negócios de conta-próprias e empregadores de 6,6 % desde 2009 (queda de 16,3% desde 2003). Ou seja, no período mais recente o fordismo formal não só aumenta, como o faz a taxas mais aceleradas. Pesquisas de emprego formal como o Caged e a Rais não só confirmam essa tendência como indicam marcada expansão relativa das mega empresas tupiniquins.
O brasileiro, em geral, não é um pequeno grande empresário, como o indiano, que quer se tornar um milionário abrindo uma pequena empresa de software em Bangalore. Ele quer trabalhar para uma grande empresa, dessas que se fundem e vão competir no mundo globalizado. O trabalhador brasileiro, em geral, não quer montar seu próprio negócio, ele quer se relacionar com uma grande empresa, pública de preferência. As empresas públicas, as maiores, são o objeto último de desejo pela estabilidade oferecida aos seus funcionários. Pergunta direta aos trabalhadores se eles buscam um novo trabalho comprova isso: 11,4% dos conta própria buscam um novo trabalho contra 5,1% dos empregados com carteira e 4,1% dos funcionários públicos. Estamos falando de respostas dadas pelos trabalhadores, de preferência revelada. Cada um sabe a dor e alegria de ser o que é. Uma votação popular elegeria miss Brasil 2000 uma rechonchuda empresa fordista. Não estou falando da minha estética pessoal de como gostaria que a vida fosse, mas da vida como ela é.
Fonte: Valor Econômico, 24/01/2012
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