Um dia inteiro de idas e vindas sobre a prisão de Lula é o reflexo de meses de indecisão da mais alta Corte do país. É esse o diagnóstico que juristas fizeram da confusão entre os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e que resultou em cinco decisões durante o domingo, ora soltando, ora prendendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
— O que foi o bate-boca entre Gilmar (Mendes) e (Luís Roberto) Barroso? O Gebran (Neto), o (Sergio) Moro e o (Rogério) Favreto estão duelando por escrito de maneira parecida — afirmou o jurista Davi Tangerino, professor da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP).
Desde a decisão da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, de não colocar em pauta a rediscussão da prisão em segunda instância, passando pela recente posição da maioria da 2ª Turma do tribunal, que colocou em liberdade o ex-ministro José Dirceu, os juristas acreditam que a cizânia entre os integrantes da Corte agora se reflete em instâncias inferiores e confirma uma imagem de enfraquecimento do Poder Judiciário.
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— Mostra uma fragilidade do sistema judiciário brasileiro porque demonstra a força das vontades individuais dos magistrados em contraste com as decisões coletivas — afirmou o constitucionalista Marcelo Figueiredo, da FGV-SP.
Especialista em direito constitucional, o advogado Dircêo Torrecillas Ramos avalia que a guerra protagonizada ontem pelo TRF-4 é reflexo também das decisões tomadas no STF:
— Estamos assistindo hoje a uma confusão, que é um reflexo da insegurança jurídica que vemos entre as decisões dos ministros do Supremo, cada um tomando decisões a partir de uma livre interpretação. Temos princípios gerais do Direito que devem ser seguidos.
SEM FATO NOVO
A primeira das cinco decisões, soltando o ex-presidente, foi do desembargador plantonista Rogério Favreto, divulgada às 9h. Para os criminalistas ouvidos por O GLOBO, o despacho foi diferente e pouco usual, mas não necessariamente ilegal. Todos, no entanto, discordaram dos argumentos propostos pelo magistrado.
Segundo eles, a decisão de Favreto baseou-se no fato de que o ex-presidente Lula se colocou como pré-candidato à Presidência da República e, preso, estaria impedido de fazer sua campanha como seus concorrentes. Essa diferença, disse o desembargador plantonista, inviabilizaria a isonomia do processo eleitoral.
Para os juristas, no entanto, Lula já havia demonstrado interesse em se candidatar muito antes de sua prisão, desde abril de 2016, data da deflagração da 24ª fase da Lava-Jato. O advogado criminalista Luís Gustavo Veneziani afirma que o desembargador Rogério Favreto não deveria nem mesmo ter analisado o pedido de habeas corpus. Os juristas citaram que uma nova condição de saúde ou o surgimento de um novo depoimento poderiam ser um fato novo no caso.
— Dizer que o Lula é pré-candidato não é um fato novo. Logo, não há justificativa para que a matéria fosse apreciada em um plantão. Ele (Favreto) não teria competência para avaliar o pedido. Isso foge do que está previsto no Código de Processo Penal — analisou.
Por outro lado, Veneziani não vê erro na atuação de Sergio Moro, que se manifestou de forma contrária à decisão do desembargador. E acredita que o magistrado agiu para evitar um “prejuízo maior no caso.”
— Diante da excepcionalidade, Moro, como juiz natural do caso, se manifestou ao relator, aparentemente, para evitar um prejuízo maior, mas não vejo nisso uma ilegalidade. É uma situação inusual — diz o criminalista.
Para Davi Tangerino, contudo, mesmo que tenha sido citado como parte coatora no pedido de habeas corpus, o juiz Sergio Moro não deveria ter se pronunciado sobre o caso. Segundo o criminalista, a participação de Moro no processo reforçou a impressão de que a situação deixou de ser analisada sob a lógica da legislação e passou a levar em conta o caso em específico.
— A utilidade jurídica não parece ser mais o importante. Tem muita briga de ego. Quando os egos estão sobrepostos ao Direito, o resultado não é bom porque o caso virou menos importante — afirmou Tangerino.
Fonte: “O Globo”