Por Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli*
As políticas econômicas adotadas nos últimos anos foram baseadas em teorias econômicas com grandes inconsistências internas e fraca aderência aos fatos. Além da estagnação e alta inflação, deixam como legado uma série de distorções que agravaram ainda mais nosso péssimo ambiente de negócios.
Por muito tempo, as teorias sobre o desenvolvimento enfatizaram o papel dos investimentos como propulsor da economia. Uma de suas versões mais difundidas combinava uma dada taxa de poupança com uma razão fixa entre o estoque de capital da economia e o PIB, gerando mecanicamente uma determinada taxa de crescimento do produto. Esta visão antiquada e simplista infelizmente pouco difere de visões que subsistem na academia brasileira. E pior, ainda orientam recomendações de política econômica não só aqui, mas mundo afora. Em seu livro “The Elusive Quest for Growth”, Willian Easterly calculou que se o modelo estivesse certo, a Zâmbia em 1994 seria mais rica que os Estados Unidos, e não 40 vezes mais pobre, tendo em vista a quantidade de ajuda internacional (isto é, poupança externa) que recebeu.
A ênfase no investimento (privado ou público) como fonte de crescimento muitas vezes decorre do inadvertido uso de teorias de curto prazo para se analisar questões de longo prazo. Este é o caso do modelo keynesiano que, ao pressupor a existência de capacidade ociosa na economia, prevê que a poupança necessária para financiar o investimento desejado será gerada ao longo do processo. Como esse resultado teórico não subsiste diante de ausência de capacidade ociosa – e essa ausência constitui a essência da análise dos fenômenos de longo prazo –, o keynesianismo voluntarioso deságua em inflação e desequilíbrios de balanço de pagamentos autoinfligidos.
Os modelos citados ignoram fatores do lado da oferta e minimizam o papel da educação e do ambiente de negócios. Quando se adiciona o diagnóstico de que existiriam setores industriais eternamente merecedores de proteção – seja tarifária, ou de uma taxa de câmbio suficientemente desvalorizada – para que possam adotar e/ou criar as tecnologias necessárias ao crescimento, chega-se à nova matriz econômica e tantas outras políticas que não deram certo aqui nem na América Latina.
[su_quote]O problema não está só no erro de diagnóstico, ou nas políticas equivocadas adotadas nos últimos anos devido a este erro, mas também no fato de que essas políticas agravaram as já enormes distorções da economia brasileira[/su_quote]
Há aqui uma óbvia incoerência ao se supor que a demanda sempre gerará a oferta para atendê-la e, ao mesmo tempo, supor que a proteção à indústria estimulará o aprimoramento tecnológico – e, portanto, um determinado tipo de oferta – sem o qual não haverá crescimento. O desprezo do pensamento heterodoxo por modelagens matemáticas rigorosas faz com essas incoerências internas não sejam identificadas, sendo seguidamente reforçadas por conveniências políticas. O mais trágico disso é o fato de que um pensamento claramente minoritário e marginal em âmbito mundial tenha ainda tanto impacto no Brasil e na América Latina, influenciando fortemente a política econômica na região.
A moderna teoria do crescimento econômico explica o crescimento da renda per capita de um país por três canais. O primeiro é o montante capital físico disponível em média por trabalhador, já comentado acima; o segundo o nível de qualificação do trabalhador típico – ou capital humano, no jargão dos economistas –; e por fim a eficiência geral da economia, que resulta do ambiente de negócios, do estímulo ao aprimoramento tecnológico, da atuação do Estado como facilitador da produção, etc. – ou Produtividade Total dos Fatores. Os dados brasileiros indicam que a maior parte do atraso do país não se deve à insuficiência de capital físico, mas sim ao secular atraso educacional – refletido em poucos anos de estudo e escolas de má qualidade –, bem como à baixíssima eficiência geral da economia.
Assim, as políticas de crescimento de que o país precisa estão muito longe daquelas adotadas nos últimos anos e defendidas – ainda hoje, mesmo depois dos seguidos fracassos – por economistas desenvolvimentistas. A baixa eficiência está associada a fatores institucionais, como, por exemplo, barreiras ao comércio internacional que isolam o país de cadeias produtivas globais, encarecendo insumos industriais e dificultando a adoção de novas tecnologias; carga tributária elevada e complexa: mau funcionamento dos setores regulados devido ao aparelhamento das agências reguladoras; excessiva burocracia; intervenções discricionárias do Estado nos mercados e preços; lentidão da Justiça; legislação trabalhista e sindical arcaicas, etc. Esses fatores fazem com que o ambiente de negócios brasileiro seja muito ruim e desestimulam firmas a adotarem melhores práticas de negócios e modernas tecnologias.
O problema não está só no erro de diagnóstico, ou nas políticas equivocadas adotadas nos últimos anos devido a este erro, mas também no fato de que essas políticas agravaram as já enormes distorções da economia brasileira, além de introduzir novos problemas, como a desorganização dos setores de energia e petróleo. Além disto, a insistência no diagnóstico de insuficiência de demanda, apesar do ambiente de pleno emprego, levou à explosão dos gastos públicos provocando elevação da inflação e alta do déficit em conta corrente. A inevitável reversão de rota, neste momento de fragilidade política da presidente e seu partido, permite prever que o ajuste fiscal em curso será implantado via elevação da carga tributária e não redução do peso do Estado, desconsiderando seu impacto sobre a eficiência geral da economia. Desta forma, mesmo que o ajuste seja bem sucedido, a herança perversa das políticas desenvolvimentistas impedirá qualquer crescimento mais significativo no curto e talvez no médio prazo.
*Professores da Escola de Pós-graduação em Economia (EPGE-FGV)
Fonte: Valor Econômico, 15/4/2015
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