A confiança na Justiça é um elemento fundamental para que suas decisões sejam respeitosamente acatadas pelos jurisdicionados, criando incentivos para que todos se conduzam de acordo com a lei. Ela é, assim, constitutiva da própria autoridade do direito.
A aquisição de confiança pelos tribunais decorre de uma multiplicidade de fatores. Entre os mais importantes destacam-se a imparcialidade no tratamento das partes em litígio, a fidelidade com que aplicam as normas jurídicas, a acurácia na apuração dos fatos e provas pertinentes à solução das controvérsias e a consistência em relação as suas próprias decisões em casos semelhantes. Todas essas premissas deveriam constranger o comportamento dos juízes, no momento de decidirem.
A confiança no sistema de Justiça brasileiro, conforme mensurada pelo ICJ da FGV Direito SP, tem se mantido em torno de 30% ao longo da última década, o que é pouco, especialmente quando comparado às democracias mais consolidadas. Um dos fatores cruciais para explicar esse baixo grau de confiabilidade é a percepção de que a nossa Justiça, além de tardia, não trata a todos de forma igual. Ou seja, não é imparcial.
Os eventos que marcaram o julgamento da impugnação da chapa Dilma-Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral, nesta sexta-feira, irão certamente contribuir para a redução da confiança no Judiciário, não apenas em função do resultado do julgamento, mas porque a maioria de seus ministros não foi capaz de demonstrar que se submeteu rigorosamente às premissas essenciais à produção de uma decisão legítima.
Desde o primeiro momento pairou uma forte dúvida sobre a possibilidade de um julgamento imparcial. O fato de que o presidente pôde nomear, para um curto período na Corte, dois advogados que iriam julgar o seu mandato levantou suspeitas sobre a integridade do pleito, bem como sobre a impropriedade do desenho institucional da Justiça Eleitoral.
De outro lado, como ficou bem demonstrado pelo ministro Herman Benjamin, houve uma forte alteração da postura do ministro Gilmar Mendes no que se refere ao estabelecimento escopo do processo, que coincidiu com a mudança daquele que passou a ocupar o Palácio do Planalto. Como se a identidade do réu, e não a regra da lei, é que devesse determinar o desfecho do caso.
Também contribuirá para relegar esse julgamento a um triste lugar na história o esforço hercúleo da maioria dos ministros para afastar os elementos probatórios criteriosamente colhidos pelo relator Herman Benjamin ao longo dos últimos meses. Como ficou evidente, não apenas pela leitura da inicial do PSDB, como pela própria decisão do ministro Gilmar Mendes que deu sobrevida ao processo, uma das causas para pedir a impugnação da chapa Dilma-Temer foi o esquema de propinas envolvendo a Petrobras e a Odebrecht, que irrigou a chapa em questão. Foram exatamente essas provas que a maioria preferiu rejeitar, para que não fosse obrigada a concluir pela impugnação da candidatura.
A crise de legitimidade que devastou nosso sistema político parece agora ter se alojado numa das instâncias do sistema Judiciário. A redução da confiança na Justiça, neste momento, em nada contribuirá para a superação da crise política que ameaça se agravar.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 10/06/2017
No Comment! Be the first one.