A condenação de Lula em primeira instância não foi surpresa. Foi, isso sim, como o desfecho previsível de uma tragédia, que mata qualquer esperança: Lula poderia ter sido um grande líder, mas não foi e nunca será.
Há quem compare o Lula de agora, supostamente corrompido pela política tradicional brasileira, com o “Lula raiz” dos anos 90, liderando um partido idealista e radical em sua demanda ética. Não tenho nostalgia desse Lula de ideias catastróficas, moralismo exagerado (que invariavelmente esconde condutas não tão morais) e discurso maniqueísta.
A virtude de Lula foi, ao contrário, justamente reformar o projeto do PT para torná-lo palatável. Não era, afinal, ideólogo purista, mas homem de sindicato flexível e pragmático, capaz de negociar sempre. Comunicador nato, sabia se conectar com todos.
Seu grande momento foi o primeiro mandato, o “Lulinha paz e amor”. Para vencer nas urnas, adotou muito do que o petismo condenara. Preservou a ordem macroeconômica legada por FHC e deu um novo foco em política social voltada para a base da pirâmide. Cercou-se de gente séria para elaborar suas políticas –Marcos Lisboa, Ricardo Paes de Barros, Joaquim Levy. No discurso, união nacional e superação dos antagonismos antes explorados; o crescimento pode ser para todos.
Poderia ter deixado um legado positivo. Quando saísse, o Brasil estaria pronto para mais um passo: discutir educação básica, por exemplo. Não o fez. Os vícios da máquina que o sustentava prometiam um poder mais glorioso. Para que ser só um bom presidente quando se pode aspirar a salvador da pátria?
O PT não foi um partido ético que teve que se corromper para levar adiante um projeto generoso. Longe de incorrupto, criou um novo tipo de corrupção, mais profissional, potencializada pelo espírito de grupo e protegida pelo zelo religioso dos seguidores. Dos ônibus de Santo André às obras da Odebrecht não há ruptura, e sim ganho de escala. O poder total depende de muito dinheiro.
Isso do lado da política. Do lado da sociedade, vendeu promessas mágicas de crescimento fácil. Gasto público voluntarista (PAC, Copa etc), decisão política sobre critério técnico, ingerência no mercado, consumo como motor do crescimento, muito crédito e pouco investimento. Surfou o crescimento fácil dos emergentes nos anos 2000 sem atacar nenhum problema estrutural. Emplacou a sucessora que levou seu trabalho ao paroxismo, na mais desastrosa Presidência que o Brasil já teve. Foram oito anos de ilusão e agora mais dez de recuperação. No saldo final, desastre prático e ético.
Crise econômica e investigações trouxeram a verdade à tona. Agora é tudo ou nada. O único caminho possível para Lula sobreviver é a guerra total, não importam os danos para o Brasil. O Lula que poderia ter sido –o bom presidente com um legado a se orgulhar–, esse morreu para sempre.
Apostando desde já na morosidade da Justiça para engatilhar sua candidatura e tornar-se intocável, Lula tentará de todos os jeitos dividir o eleitorado e promover o ódio social. Alterará as leis se puder (“emenda Lula”) e, se não puder, as atropelará. A tragédia Lula é fato consumado. A questão é se ela virará o filme de terror que a volta desse messias político anuncia. Um reinado de mil anos sem paz ou amor.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 18/07/2017
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