Depois de mais de 15 anos de negociações, passando por momentos favoráveis de avanços e épocas negativas de retrocesso, parece que os entendimentos para um acordo entre o Mercosul e a União Europeia (UE) estão chegando à reta final.
Os entraves internos no Mercosul e na Europa estão sendo flexibilizados. As negociações técnicas que se estenderam até a semana passada, em Assunção, no Paraguai, avançaram no exame das ofertas agrícolas (produtos mais sensíveis e quotas), de bens e serviços, no acordo de compras governamentais e nas regras técnicas (barreiras tarifárias, não tarifárias, sanitárias, fitossanitárias). Outras, como, por exemplo, origem (drawback), propriedade intelectual, indicação geográfica, precaução (desenvolvimento sustentável) e comércio eletrônico, continuam pendentes.
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Segundo as informações disponíveis, os entendimentos em nível técnico terminaram com uma relação reduzida de temas, que somente poderão ser resolvidos pela vontade política dos dois blocos, com concessões recíprocas. A partir da próxima semana, técnicos e ministros do Mercosul se reúnem para tentar superar os últimos entraves, de forma a permitir encontro Mercosul-EU e poder discutir e anunciar, em nível ministerial, um “pré-acordo” político, deixando para os técnicos os últimos ajustes para se chegar ao texto final.
Na melhor das hipóteses, temos ainda uns poucos meses para concluir esse processo negociador. Coloca-se, então, a questão da assinatura do acordo comercial às vésperas da eleição de outubro.
Do ângulo do Mercosul, e do Brasil em especial, seria importante que a assinatura fosse feita ainda no atual governo, deixando para o futuro presidente a implementação do acordo. Apesar de a negociação estar concluída, caso a União Europeia decida esperar pelo novo governo, haverá um atraso de vários meses, adiando ainda mais a sua entrada em vigor.
É importante sublinhar que, a partir da assinatura, o instrumento legal terá de ser traduzido para a língua dos 27 países-membros da UE, o que tomará pelo menos um ano. Deverá também ser ratificado pelo Parlamento Europeu, em pelo mais um ano, e pelos Congressos dos países-membros do Mercosul. Dessa forma, o acordo que vier a ser assinado só entrará em vigor a partir de 2021. Como os produtos mais sensíveis dos dois lados terão suas tarifas zeradas depois de dez anos, a rigor, os efeitos mais fortes desse acordo passarão a vigorar daqui a 15 anos (a partir de agora), tempo suficiente para que as reformas necessárias para modernizar o Brasil sejam implementadas.
Do ponto de vista do Brasil, o acordo com a União Europeia é importante porque põe fim ao isolamento do nosso país das negociações comerciais. Vai também forçar o País a modificar regras e regulamentos para alinhá-los com os avanços no mundo e abrir possibilidades de ampliação da cooperação empresarial nas áreas de ponta, fora o fato de ampliar o mercado europeu para produtos brasileiros.
Em termos mais amplos, a intenção de concluir a negociação com a Europa, de avançar os entendimentos com a Efta e a Índia e iniciar tratativas com o Canadá deveria também ser vista no contexto da discussão das reformas estruturais (trabalhista, tributária e da Previdência Social). Essas reformas, complementadas por medidas adicionais de facilitação de comércio, infraestrutura e de redução da interferência do Estado nas atividades empresariais, aumentarão a competitividade dos produtos brasileiros, que poderão enfrentar a agressiva presença de produtos do exterior no mercado interno e conquistar mercados nos grandes blocos regionais.
Com a luz no fim do túnel nessa longuíssima negociação, como é natural, surgem vozes contrárias ao acordo, sob o argumento de que ele vai quebrar a nossa indústria, tratada ainda como nascente, e de que, em vez de reduzir, devemos aumentar as tarifas para defender o mercado interno de bens industriais. Nos últimos 50 anos, essa “política industrial” não facilitou o acompanhamento das transformações que ocorrem na era do conhecimento. A indústria, em sua grande maioria, não absorveu os avanços tecnológicos e de inovação, acarretando a perda de espaço das manufaturas nacionais nos mercados mais dinâmicos e fazendo com que a produção nacional seja seriamente afetada pela concorrência externa. A situação para esse setor se agravou ainda mais pelo fim dos subsídios, das desonerações e do crédito fácil, não por uma questão ideológica, mas porque o Estado brasileiro está quebrado.
Por outro lado, questões levantadas pela Organização Mundial do Comércio (OMC) contra a política industrial nas áreas automotriz e de informática estão obrigando a ajustes para adequar nossa legislação às suas regras. Além disso as negociações de acordos comerciais, como no caso da UE, estão fazendo o Brasil ter de se incorporar às regulamentações existentes no resto do mundo. A decisão do governo brasileiro de acessar a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por seu lado, já está obrigando o País a ajustar-se a cerca de 240 acordos, códigos e regulamentos em vigor. Dentro dessa linha, a partir de 2019, dependendo do resultado das eleições, o futuro governo poderia examinar concretamente a possibilidade de se associar à Parceria Transpacífica (TPP), com o Japão, países asiáticos e países da Aliança do Pacífico. Com essa linha de atuação externa na política de comércio exterior, o Brasil voltaria a estar plenamente inserido nos fluxos dinâmicos de comércio e de investimentos globais.
A eleição de outubro será um divisor de águas. Ou o Brasil avança com uma agenda de modernização interna e de inserção competitiva no exterior, ou compraremos uma passagem, sem retorno seguro, para uma crise da proporção que vive hoje a Grécia e Portugal já viveu.
Fonte: “Estadão”, 13/03/2018