Depois dos fracassos da segunda etapa do programa de concessões rodoviárias, em 2013 o governo conseguiu, enfim, com alguns anos de atraso e inclusive com o adiamento de leilões por previsível falta de interessados, destravar a terceira etapa desse programa. Ao adotar tarifas-teto mais altas nos leilões, acabou eliminando o risco de esses certames fracassarem. No fim, com a forte competição entre os candidatos que sucedeu e o maior tempo que tiveram para estudar os projetos, os pedágios ficaram até menores que os tetos oficiais. O temor agora é o de que, ao longo da execução dos contratos, quando o poder de barganha dos concessionários diminui, o governo, conforme tem sinalizado, volte à busca das menores tarifas imagináveis. Isso pode ocorrer todas as vezes em que for necessário ajustar os valores-chave dos contratos, por causa de fatores extraordinários, que costumam ocorrer ao longo de sua implementação. Um exemplo é a criação de um imposto, não previsto originalmente. Para aumentar a tarifa, serão recalculados e atualizados os fluxos de despesas e receitas, usando uma taxa de desconto apropriada. Daí sairá a nova tarifa ou outra forma equivalente de reequilibrar o contrato. Para reduzir esse impacto, um governo à caça de dividendos políticos pode aproveitar essa situação para baixar a taxa de desconto usada originalmente nos contratos, definindo uma metodologia para esse fim. Com isso, o aumento tarifário requerido é reduzido.
Diferentes órgãos reguladores (ANTT, Anac e Aneel) têm utilizado o Custo Médio Ponderado do Capital (ou Wacc, na sigla em inglês) como base para o cálculo da taxa de desconto. O problema é que a metodologia de cálculo do Wacc está sujeita a diversas críticas, que vão desde o pequeno tamanho da amostra utilizada à não consideração de importantes idiossincrasias do investimento em infraestrutura, como a baixa liquidez e o longo prazo de maturação do investimento. Isso faz com que o custo estimado do capital possa divergir substancialmente do seu custo efetivo.
Na verdade, para os atuais reequilíbrios financeiros de contratos, a Resolução ANTT n.º 4.075, de 2013, fixou a taxa de desconto em 6,57%. Trata-se de uma taxa abaixo, inclusive, da estimada em outras instâncias por outros órgãos, em torno de 8%. Destaque-se que, também em 2013, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) sugeriu uma taxa de 7,2% como parâmetro para os leilões de rodovias federais da terceira etapa. Assim, contratos recém-assinados passariam a ser reequilibrados a uma taxa de desconto mais baixa que aquela que prevaleceu na fase da assinatura.
Seriam os 6,57% um mero tecnicismo do órgão regulador ou estariam inseridos numa política governamental mais ampla de contenção a qualquer custo do preço de serviços públicos? As evidências sugerem que a segunda opção é a mais provável. Em primeiro lugar, porque assim vêm sendo tratados preços administrados como os da gasolina e da energia. Em segundo, porque, nas licitações de rodovias mais recentes, chegou-se ao absurdo de proibir a apresentação de um plano de negócios, que detalha as projeções de receitas e gastos das empresas e explicita a taxa de desconto da concessionária.
Eventuais alterações da taxa de desconto, ao contrário do que tem ocorrido, deveriam ser feitas com regras consensuais claras e previsíveis. Não sendo assim, faz mais sentido utilizar a taxa definida implicitamente pelo mercado no processo licitatório original. Ou seja, seria a taxa de desconto que embasou o próprio plano de negócios original da concessionária, cuja apresentação o governo proibiu…
As autoridades demoraram muito a convencer o setor privado a participar de processos licitatórios. Agora, numa clara postura oportunista, tenta deprimir a rentabilidade do capital, o que tornará o setor privado mais reticente a participar de futuras concessões, exigindo para tanto tarifas mais altas com o objetivo de compensar o maior risco assumido. E o Brasil, mais uma vez, correrá o risco de não dispor da infraestrutura de que tanto necessita.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 10/7/2014
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