A reunião do G20 no fim de junho, no Canadá, aponta para uma virada no jogo dos países ricos contra a crise financeira – um problema que não partilhamos. Essa virada abala as pretensões de Brasil, Índia e China de assumir um maior papel político global. O governo brasileiro havia vaticinado, no ano passado, a morte do G8 (o clube que reúne só os países mais ricos e a Rússia) e sua substituição pelo G20 (que inclui os grandes países em desenvolvimento). Não é bem isso que vemos.
O recado político dos ricos, disfarçado de documento técnico, veio do Banco Mundial. No seu último relatório bienal, publicado às vésperas da Cúpula de Toronto, o banco soltou uma estimativa de quanto se beneficiariam os países emergentes, até 2014, em virtude da possível adoção, pelo G8, de uma política de segurar gastos públicos e controlar seu enorme déficit fiscal. Essa é a conclusão de conto de fadas para o futuro distante. Para já, o recado é o oposto: o banco mostra que a chamada “consolidação fiscal”, novo nome bonito para a proposta em vigor de apertar os cintos no mundo rico, vai podar o ritmo da recuperação nas outras economias, inclusive o Brasil.
O que representaria essa mudança de vento lá fora para a nossa vida aqui e a conjuntura de lua de mel que temos vivido, com mais emprego, mais negócios e valorização de imóveis? A resposta é que, provavelmente, iremos na direção oposta à que sonhamos. Tudo leva a crer que a política da gastança fiscal generalizada, adotada pelo mundo como remédio de emergência contra os efeitos paralisantes da economia global em 2009, está com seus dias contados. Para adoçar a notícia, o Banco Mundial lembra no relatório que “é preferível ter uma consolidação (fiscal) rápida, mesmo com um impacto de curto prazo para as exportações dos países em desenvolvimento, se isso trouxer as taxas de juros de longo prazo para baixo e melhorar o clima dos investimentos nas economias emergentes”.
Essa tentativa de conclusão otimista é de Andrew Burns, chefe do setor de previsões macroeconômicas do Banco Mundial. Ele não nos revela um lado importante do recado dos mais ricos para os mais pobres. É que o tal impacto negativo sobre exportações, de curto prazo, envolveria uma repartição nada equitativa de sacrifícios. Como? No preço das matérias-primas exportadas por alguns dos emergentes, principalmente o Brasil. Temos de ficar muito atentos a esse novo movimento que, afinal, não controlamos.
Os EUA e a Europa querem comprar menos do Brasil.
E não precisam nos consultar para decidir isso
Desde 2004, tem sido praticamente ininterrupta a subida de preços dos produtos minerais e agropecuários exportados pelo Brasil. A jornada política estelar do presidente Lula pode ser, em boa parte, creditada a essa imensa sorte histórica que nos ajudou a pagar as contas que andavam, havia duas décadas, penduradas nos bancos internacionais e no FMI. A crise financeira de 2008, apesar de sua virulência, em nada afetou a bolha de preços dessas matérias-primas brasileiras de exportação. Até agora. A mensagem dos ricos é que essa bolha pode estourar com o aperto de cintos que eles farão nos próximos três anos. Na média, os países emergentes podem até ganhar, mais adiante, com a austeridade fiscal global. Mas o peso do ajuste será transferido, antes disso, para quem é produtor de mercadorias básicas. A Austrália e o Canadá seriam pagantes ricos. Nós pagaríamos com o fim da nossa efervescência especulativa doméstica. A China, mais uma vez, ficaria bem, mesmo reduzindo o ritmo de suas vendas para os Estados Unidos e a Europa, por contar com a baixa de preços de insumos brasileiros para ajustar as margens de lucro de sua exportação industrial.
O Brasil, em geral desatento a sutilezas da política mundial, deveria colocar suas barbas de molho na euforia de previsões sobre seu ingresso no mundo dos ricos. O G8 pode passar a perna no G20 e, pior, chamando para o baile só alguns amigos e nos deixando do lado de fora, na chuva, como já aconteceu tantas vezes no passado. Esperto como é, Lula nem compareceu a Toronto para ouvir o recado que não queria. Mandou Mantega.
Fonte: Revista “Época” – 5 de julho
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