Nos EUA, a Califórnia tornou-se um exemplo em desenvolver geração limpa e renovável de energia, sendo o primeiro Estado no ranking de geração solar do país. No entanto, ela vem enfrentando problemas relacionados à ampliação das fontes renováveis na matriz elétrica, que vão da falta de energia a elevações nos preços da eletricidade.
O sol da Califórnia começou a ser usado, na virada do século 20, para aquecimento de água nas residências. Com os choques do petróleo na década de 1970, créditos federais e estaduais ajudaram a ampliar as indústrias solar e eólica. No final dos anos 90, após a desregulamentação das concessionárias de energia elétrica, teve início o Programa de Energia Renovável, cuja finalidade foi ajudar a ampliar a produção total de eletricidade renovável no Estado. O programa forneceu incentivos para instalações novas e existentes alimentadas por fontes renováveis e ofertou descontos ao consumidor pela instalação de novos sistemas de energia renovável eólica e solar. O desdobramento do programa tornou a Califórnia no exemplo mundial na geração renovável.
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Atualmente, a geração de eletricidade proveniente de fontes renováveis, somada à hídrica, representa cerca de 47% da matriz elétrica californiana. O alto nível de penetração da energia renovável está sendo apontado como um fator-chave para os maiores preços da eletricidade. Entre 2016 e 2017, os preços da eletricidade no Estado subiram três vezes mais que no resto dos EUA, de acordo com análise da Environmental Progress. Os aumentos ocorreram apesar de 2017 ter tido a maior produção de hidreletricidade, a fonte mais barata desde 2011. Os preços da eletricidade no resto dos EUA subiram 2%, acompanhando a taxa de inflação.
Outro motivo apontado para os altos preços da eletricidade é o fechamento da Usina Nuclear de San Onofre (Songs). O episódio elevou os custos da geração a gás natural e criou restrições de transmissão, causando ineficiências de curto prazo.
Além da elevação na tarifa de eletricidade, os consumidores californianos estão sendo prejudicados com a frequente falta de energia.
A Pacific Gas & Electric (PG&E) tem interrompido, com frequência, o fornecimento de eletricidade. A concessionária vem desligando seus equipamentos alegando risco de incêndio em decorrência de condições climáticas adversas como ventos fortes e seca. Há dúvidas se a justificativa climática seria suficiente para explicar os cortes de energia. É verdade que eventos climáticos acontecem, mas no caso da Califórnia parece haver outras razões para estes blecautes que têm ocorrido no Estado.
A suspeita é de que a empresa não tivesse energia suficiente para suprir a demanda, dada a intermitência da geração renovável. A velocidade do vento e a existência de sol, e não só a sua ausência, são uma restrição operacional desse tipo de geração. Além do mais, a grande presença de renováveis intermitentes aumenta a resiliência do sistema, fazendo com que a duração dos blecautes seja maior.
O fato é que tanto a elevação das tarifas quanto os problemas de fornecimento estão ligados à mudança da composição da matriz elétrica. De acordo com dados da Energy Information Administration (EIA), em 2001 o Estado gerou 74,3% de sua eletricidade a partir de combustíveis fósseis e nucleares. A energia hidrelétrica, geotérmica e gerada por biomassa representou a maior parte dos 25,7% restantes, e o fornecimento por fontes eólica e solar, só 1,9%. Em 2018, o portfólio renovável do Estado saltou para 43,8% da geração total, com as energias eólica e solar responsáveis por 17,9%. O Estado se tornou altamente dependente de fontes intermitentes, aumentando o custo de operação do sistema.
No Brasil a matriz elétrica é limpa, dada a nossa tradição de gerar energia com a fonte hídrica. No entanto, a configuração da matriz está ganhando novos contornos, com a ampliação da participação de fontes renováveis intermitentes, como eólica e solar. Os responsáveis pelo planejamento precisam estar atentos para as consequências dessas mudanças. Caso contrário, corremos o risco de cometer os mesmos erros da Califórnia.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 28/12/2019