O ano de 2008 foi bastante movimentado para a economia mundial. Destacaria três eventos importantes: 1) aprofundamento da crise do subprime; 2) o choque de oferta dos commodities; 3) a conquista pelo Brasil da posição de investment grade. O desenrolar da política monetária (brasileira e mundial) esteve sincronizada, em menor ou maior grau, com esses acontencimentos. Assim sendo, para fazer um “resumo da ópera de 2008″, nada melhor do que discutir esses três pontos relevantes. Vamos a eles!
Comecemos pela crise do subprime. Bom, se você acabou de chegar a este planeta e nunca ouvir falar de subprime, eis aqui um resumo: é um mercado destinado às pessoas que já deram calote em algum momento da vida – por razões que não nos importam. Em outras palavras, qualquer pessoa que entrou no SPC/SERASA no Brasil poderia pertencer ao mercado de subprime, se este fosse criado no nosso país. Tal mercado foi criado nos EUA para a compra de casas, via financiamento – as famosas hipotecas.
A crise começou no final de 2006 com o reajuste das taxas dos contratos imobiliários, que fez aumentar de forma significativa a taxa de inadimplência. Isto, por sua vez, aumentou o risco dos títulos securitizados (créditos de intermediários transformados em títulos negociados em algum outro mercado), atrelados às hipotecas do subprime, provocando, em um primeiro momento, uma crise de crédito e em um segundo momento, uma crise de liquidez. Os dois riscos somados levaram a economia norte-americana ao clímax da crise em setembro de 2008; simbolizado pelo pedido de falência do Lehman Brothers, gerando um risco sistêmico na economia mundial.
A crise do subprime está intimamente ligada ao segundo ponto relevante, o choque de oferta dos commodities. Isto porque, com o aumento da incerteza no mercado, investidores passaram a recompor carteiras, trocando títulos atrelados às hipotecas do subprime (de maior risco) por commodities, em um primeiro momento (2007 e primeiro semestre de 2008) e por títulos do tesouro norte-americano, em um segundo momento (segundo semestre de 2008, principalmente) – que são, comparativamente, de menor risco. Essa recomposição fez inflar os preços no mercado futuro de produtos como o petróleo, que foi repassado, em maior ou menor grau, para os preços à vista.
O lado real disso foi a disparada da inflação em boa parte dos países do globo. Foi justamente por esse motivo que o Banco Central brasileiro foi obrigado a sustar a redução dos juros básicos (que vinham sendo reduzidos desde setembro de 2005) em setembro de 2007, aumentando-os em abril de 2008.
Nesse meio tempo o nosso país conquistou, enfim, o investment grade das agências de classificação de risco. Tal conceito significa algo simples: o Brasil passou a ser visto como um bom pagador. Por quê? Nos últimos anos fizemos um esforço para reduzir nossa dívida atrelada a câmbio – tanto a externa quanto a interna. Com empenho abismal e digno de nota, nosso país é hoje credor líquido internacional. Trocando em miúdos: temos mais dólares do que dívidas em dólares.
Diante de tais pontos nevrálgicos, o ano de 2008 terminou como deveria: inflação acumulada em 5,9% (1,3% acima do centro da meta), produção industrial em queda em novembro (em comparação com outubro) e provável recuo do PIB no quarto trimestre. Por quê? Bom, como venho publicando neste espaço, os ciclos econômicos do Brasil pós-Plano Real possuem um intimidade estupenda com a política monetária. Isto é, a atividade econômica reage às mudanças na taxa SELIC – para o bem e para o mal. Assim, como o Banco Central sustou a redução de juros no apagar das luzes de 2007 e começou a aumentá-los em 2008, era natural esperar que de seis a nove meses depois houvesse redução da atividade.
Destarte, a grande questão para 2009 é a possibilidade de o Brasil poder fazer política econômica anticíclica (reduzir juros em tempos de recessão). Sou da opinião de que hoje nosso país tem todas as condições de fazê-lo, dado dois fatores: 1) o fato de, enfim, sermos investment grade; 2) o fato de que as fugas de capitais ocorrerão independente da redução da taxa SELIC. Para explicar melhor o segundo fator dividamos o investidor estrangeiro em dois tipos: aquele que reage mais ao aumento da incerteza no mundo e o que reage menos. O que reage mais sairá do Brasil (e comprará títulos de menor risco) independente das mudanças na SELIC. O que reage menos, por sua vez, ficará, já que nossa taxa básica é uma das maiores do mundo e continuará sendo por algum tempo, mesmo que haja reduções consecutivas daqui para frente. Assim sendo, caso não haja maiores aprofundamentos da crise, o Brasil tem todas as condições de reduzir a taxa SELIC daqui para frente, sem maiores consequências para a inflação.
Entretanto, antes que alguém atire a primeira pedra e diga que o Banco Central já deveria ter reduzido a taxa SELIC, é preciso atentar para o choque de oferta mencionado no início do artigo. Houve pressão ao longo de todo o ano – o fato de a inflação ter terminado na banda superior da meta comprova isso. Tal pressão somou-se à desvalorização cambial do segundo semestre. Assim, nada mais acertado, portanto, que o Banco Central tenha tido cautela com relação aos juros. Já em 2009, com ausência da pressão dos commodities e atento à questão do capital externo, será perfeitamente possível fazer política monetária anticíclica. E isso, caros leitores, é um grande avanço para nós – talvez o maior dos últimos anos!
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