Em dias da semana passada, o presidente da República retomou a ideia de empregar suas energias no plano internacional, na ONU ou no Banco Mundial, e o fez em artigo de sua lavra estampado em The Guardian; com efeito, há dois meses, pouco mais, em edição de domingo, no alto da primeira página, jornal de São Paulo informava que “Lula articula seu futuro na ONU ou no Banco Mundial”, e nesse sentido iniciara articulações com líderes mundiais para definir seu futuro após deixar o governo. Diante da publicidade aqui e fora daqui, tenho a notícia como fundada.
Em princípio, qualquer individualidade de expressão internacional pode externar essa pretensão e quem tenha sido presidente do Brasil tem qualificação para voos dessa altitude. Mas digo em princípio, porque não basta ter títulos e aspirações, uma vez que, em se tratando de organismos internacionais, existe uma processualística consuetudinária, consultas, sondagens ou que outro nome tenha, discretas sempre e por motivos óbvios, até para evitar eventuais dissabores se o resultado não for o esperado; bem pode ocorrer que embora inexista alguma reserva pessoal ao interessado, circunstâncias mil podem obstar, na oportunidade, o acolhimento desta ou daquela pretensão. Suponho não esteja a dizer novidade a respeito. Por isto, o que me chamou a atenção foi o arroubo olímpico com que o presidente brasileiro ingressou na área sem sequer bater à porta, se é que ela não tenha várias.
Isto posto, parece não ser temerário deduzir que essa a finalidade da surpreendente oferta de gratuito patrocínio à Palestina e a Israel em seus históricos litígios, especialmente quando já estava acasalado com o Irã que pregou a supressão pura e simples de uma das partes envolvidas, oferta que deu no que deu, ambos os Estados mostraram que não estavam dispostos a pilhérias desocupadas. A pergunta que então foi feita é se a iniciativa insólita resultava de bisonhice de aprendiz ou pretendia chamar a atenção pela descomunal extravagância e se a ideia era fruto da sua solitária reflexão ou se elaboração de seus mágicos conselheiros… De qualquer sorte, o dislate do alvitre entrou para a história das “gafes” internacionais.
Aliás, foi de tal ordem o desconforto nos círculos sérios do nosso serviço exterior, que mais de um diplomata tocou na ferida aberta pela leviandade. A propósito, menciono artigo do embaixador Sérgio Amaral, que, com mão de mestre, disse as coisas mais judiciosas em linguagem impecável. Indagou “por que razão o Brasil decidiu envolver-se num conflito tão complexo e explosivo como o programa nuclear iraniano, numa região tão longe de nós, ao lado de um parceiro tão distante dos valores e dos interesses da sociedade brasileira? Essa é a pergunta que muitos se fazem nesse momento e para a qual a diplomacia brasileira ainda não deu uma resposta convincente”. E continuava o antigo embaixador em Londres e Paris, “no caso do Brasil, a aventura do Irã é incompreensível, sobretudo quando existem vários contenciosos perto de nós, em relação aos quais não tentamos ou não logramos, aí, sim, mediar um entendimento”. E vai adiante, para indicar o resultado previsível, em face “da ingenuidade dos formuladores da política externa ou a falta de informação sobre a postura dos principais atores (como a China). Qualquer dessas hipóteses seria uma falha grave para a diplomacia competente”. Ainda salienta que, no Irã, “colocamo-nos, a contracorrente da comunidade internacional, na esdrúxula posição de fiadores das boas intenções de um governo que se notabilizou por um déficit democrático e por recorrentes violações dos direitos humanos, desta vez, na contramão dos valores da sociedade brasileira”. E conclui “a diplomacia brasileira, nos últimos anos, tem associado a exuberância na retórica com a parcimônia nos resultados”.
Ainda teria coisas a notar, como as do ex-ministro Celso Lafer, mas me falta espaço. E me limito a indagar se é com esses antecedentes que o nosso presidente pretende credenciar-se a secretário-geral da ONU ou a gestor do Banco Mundial, ou, quem sabe, diante de suas frequentes metáforas futebolísticas, à Fifa?
Fonte: Jornal “Zero Hora” – 05/07/10
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