O Iluminismo introduziu uma série de ideias e conceitos que demoliram alguns dogmas que haviam predominado durante toda a Idade Média. Estabeleceu a razão e o conhecimento empírico como as fontes do conhecimento que levou à revolução científica, começando com Copérnico e a teoria heliocêntrica do universo. Na filosofia, o iluminismo nos brindou com a ideia revolucionária da liberdade individual, a partir de John Locke, e os direitos individuais à vida, liberdade e propriedade. A revolução iluminista chegou ao seu ápice no final do século XVIII com a Constituição Americana e sua ideia de “direitos inalienáveis”, de um governo limitado por freios e contrapesos e baseado no consentimento dos governados. A ideia geral que gerou a nação mais livre e próspera do planeta era que cabia ao indivíduo a busca da felicidade, e não ao governo ou a políticos ungidos com o dom da sabedoria.
No entanto, assim que essas ideias ganharam ampla aceitação na Europa e em parte das Américas, o contra-ataque coletivista se materializou. Começou com Rousseau – considerado por muitos o pai da tentação totalitária – e sua ideia de um Estado todo poderoso usando a coerção como meio de impor uma “vontade geral” imaginada e delimitada por algumas mentes superiores como a sua.
Desde então, a humanidade tem tentado conciliar duas ideologias que são fundamentalmente conflitantes: uma baseada nos direitos do indivíduo, a outra no poder ilimitado do Estado. Esta última teve seu apogeu nas sangrentas manifestações totalitárias do século XX, bem resumidas na máxima de Mussolini: “tudo dentro do Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado”. E é essa veneração aos poderes coercitivos do Estado, juntamente com o sentimento tribal coletivista das massas, que une as três ideologias assassinas do século XX, apesar de algumas diferenças marginais: o nazismo, o fascismo e o comunismo.
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Esta pequena introdução vem a respeito de uma entrevista concedida no último domingo, no jornal “O Estado de São Paulo”, pelo apresentador de TV Luciano Huck, o mais novo queridinho político da mídia, uma espécie de Macron tupiniquim. Separamos este pequeno trecho, que resume a ideia central da entrevista em que critica o presidente eleito por uma suposta falta de um “projeto para país”:
“Estou há 19 anos viajando o país muito intensamente – de todos os cantos e todos os recortes. Isso ninguém tira de mim. Você pode fazer mestrado em Harvard, mas isso você não vai aprender. E o que me incomoda, há algum tempo e de maneira bem franca, é a desigualdade que a gente tem no país. Então se a gente não tiver um projeto claro e bem desenhado de redução de desigualdades esse país vai ficar andando de lado pra sempre. Acho super legal as iniciativas do terceiro setor e de filantropia. Por outro lado, só quem vai ter o poder, de fato, de reduzir a desigualdade no país é o Estado. Quem toca o Estado é a política.”
Como escrevi ontem no meu Facebook, um dos clichês mais surrados e nocivos da política é esse tal de “projeto para o país”. Parece bacana dizer: “precisamos de um projeto para o país”, ou “fulano não tem um projeto para o país”. O problema é que a execução desses projetos igualitários pressupõe a existência de planificadores centrais encarregados de idealizar, planejar e executar as coisas em seus mínimos detalhes, a fim de alcançar uma igualdade utópica que simplesmente não faz parte da natureza humana, ela mesma uma fonte inesgotável de desigualdades. Que o Estado forneça alguma proteção aos mais necessitados, como assistência à saúde, educação e recursos mínimos de subsistência, é uma coisa, mas usar os poderes coercitivos do Estado como ferramenta para igualar o inigualável é um absurdo.
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Este é um clichê que a esquerda ama de paixão e cuja implementação demanda altas doses de arbitrariedade. Quem diz ter um projeto para o país provavelmente irá tentar impor programas econômicos altamente intervencionistas, de acordo com seus gostos e subjetividades, tentará intervir na educação das crianças e adolescentes com currículos nacionais rígidos e pretenderá regular a vida das pessoas em seus mínimos detalhes, deixando muito pouco espaço para que os cidadãos busquem sua própria felicidade de acordo com suas respectivas escalas de valores e gostos. Não por acaso, é um erro muito comum, principalmente aos empresários, achar que um país pode e deve ser administrado como uma empresa, cujos fins, diferentemente de um país, são comuns a todos os sócios.
Por definição, como não têm vontade ou consciência, países e sociedades são meras abstrações conceituais, sem moto próprio e, consequentemente, incapazes de elaborar ou executar projetos. Por trás desses planos e projetos, ainda que realizados em nome daquelas abstrações, estarão sempre indivíduos. Ademais, não existe essa tal “vontade geral”, como imaginava Rousseau. O dever dos agentes do Estado, portanto, não é planejar o futuro nem dizer para onde os cidadãos devem caminhar, mas prover as condições mínimas para que as pessoas, suas famílias e suas empresas possam se planejar e executar seus planos com liberdade e segurança. Cogitar que políticos e burocratas fiquem encarregados de produzir e executar um “projeto de país”, a partir de um Estado em que o governo não consegue sequer proteger a vida, a liberdade e a propriedade dos indivíduos de forma minimamente eficaz, é uma utopia muito perigosa.
A União Soviética tinha um plano bem definido de país. A China maoista e a Cuba castrista, idem. Todos os planos eram muito bem fundamentados, detalhados e amarrados a intenções muito nobres. Deu no que deu. Por outro lado, a fundação do Estado norte-americano foi baseada principalmente na limitação do poder do governo sobre a vida dos cidadãos, deixando a cargo destes a busca da felicidade. Também deu no que deu.