Nas últimas semanas o primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, e o representante comercial dos Estados Unidos, Ron Kirk, expressaram preocupação e criticaram o Brasil pelo aumento de tarifas de importação de alguns produtos industriais, consideradas como protecionistas e contrárias a compromissos contraídos no âmbito do G-20 e da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Por outro lado, Estados Unidos, União Europeia (UE), Japão e Austrália também questionaram o Brasil na OMC por ter transformado medidas temporárias, como o conteúdo nacional na licitação da telefonia móvel (G4), a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e a nova política automotiva, em políticas industriais permanentes.
O governo brasileiro, a começar pela presidente Dilma Rousseff, respondeu que o Brasil não modificou sua política comercial e que as medidas adotadas visam à legítima defesa dos setores industriais afetados por todas as formas espúrias de manipulação do comércio, inclusive a cambial, que, na prática, anulam as tarifas negociadas pelo Brasil no âmbito da OMC.
O aumento de 200 tarifas, proposto pela Argentina e aceito pelo Brasil, terá duração limitada e está de acordo com as regras da OMC. Apresentadas como ações de defesa comercial, as restrições podem ser vistas no mesmo contexto de outras medidas compensatórias concedidas ao setor produtivo e exportador pela ineficiência do governo em avançar na agenda para recuperar a competitividade da economia. A redução da taxa de juros, a desvalorização cambial, a redução do preço da energia, a desoneração da folha de salários e os acenos sobre a flexibilização da legislação trabalhista, além da nova regulamentação do ICMS, são as principais medidas aplicadas ou em estudo pelo governo. Trata-se de ações que apontam para o caminho correto, mas são insuficientes para reduzir significativamente a perda da competitividade do setor produtivo. É necessário definir uma política industrial que crie as condições para o renascimento da indústria de transformação brasileira. As medidas restritivas podem resolver temporariamente problemas de alguns setores, mas não são as respostas que o setor privado espera do governo. O protecionismo não é solução para os problemas internos de competitividade.
A crise econômica, que dura mais de cinco anos, e a falência da OMC com o fracasso da Rodada Doha, que pretendia liberalizar o comércio global, podem explicar a desaceleração do comércio internacional, que não deverá crescer mais de 2,5% em 2012 e cerca de 3,5% no próximo ano. Nesse contexto de baixo crescimento, de aumento do desemprego e de pouca perspectiva de rápida recuperação das principais economias desenvolvidas, as acusações de protecionismo contra o Brasil servem mais ao público interno norte-americano e britânico, às vésperas de eleições presidenciais ou em meio a dificuldades políticas.
Relatório recente sobre protecionismo no âmbito dos países do G-20 elaborado pelo Global Trade Alert (GTA), da Universidade de St. Gallen, na Suíça, mostra que a tendência restritiva é bem mais ampla. Nele são analisadas medidas aplicadas desde 2008 pelos governos com base em dois critérios: medidas discriminatórias e quase certamente discriminatórias.
Quando os países do G-20 são comparados em relação ao número de medidas discriminatórias aplicadas, Japão, Argentina, Turquia, Índia e Arábia Saudita encabeçam a lista, seguidos pelos 27 países da União Europeia, com destaque para França e Reino Unido, e pelos EUA.
Considerando o número de medidas discriminatórias e sua porcentagem em relação às práticas liberalizantes, os países que menos utilizaram medidas protecionistas foram o México, a África do Sul e o Brasil.
Por outro lado, o levantamento da GTA apresenta grandes surpresas quando identifica os países que mais aplicaram medidas quase certamente discriminatórias, quantas linhas tarifárias, quantos setores e parceiros comerciais ficaram afetados por essas medidas.
Pelo interesse e pelo ineditismo da pesquisa, vale a pena reproduzir parcialmente o resultado desse trabalho, com a indicação, quanto a medidas quase certamente discriminatórias, dos dez países que:
Mais as aplicaram – União Europeia (302), Rússia (169), Argentina (141), Índia (74), Reino Unido (67), Alemanha (64), França (61), China (60), Itália (56) e Brasil (54);
Afetaram o maior número de linhas tarifárias (categorias de produtos): Vietnã (931), Venezuela (786), Casaquistão (732), China (732), UE27 (656), Nigéria (599), Argélia (476), Argentina (467), Rússia (446) e Índia (401);
Afetaram o maior número de setores: Argentina (63); Argélia (62); UE27 (57); China (52); Nigéria (45); Rússia (45); Alemanha (44); Casaquistão (44); Estados Unidos (42); e Gana (41);
Afetaram o maior número de países: China (193), UE27 (187), Holanda (163), Alemanha (155), Polônia (155), Índia (153), Indonésia (153), Bélgica (152), Finlândia (152) e Argentina (151).
Em termos de medidas discriminatórias, assim, a União Europeia é a campeã do protecionismo. Em termos de linhas tarifárias afetadas, o Vietnã é o número 1 – em razão das repetidas desvalorizações competitivas da sua moeda. Em termos de setores afetados, a Argentina é a primeira da lista; e em termos de parceiros afetados, a China encabeça a relação – em parte por causa da extensa lista de políticas administradas por meio de descontos seletivos de Imposto sobre Valor Agregado (VAT) para os exportadores.
China e Argentina são os únicos países presentes em todas as listas das quatro categorias dos maiores responsáveis por políticas protecionistas. Alemanha, Índia e Rússia estão em três das quatro listas dos mais restritivos. O Brasil aparece em apenas uma das listas e, mesmo assim, em décimo lugar.
Não há quem fique bem na foto do protecionismo.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 09/10/2012
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