Em recente evento no Secovi-SP, seu presidente, João Crestana, numa mesa-redonda, colocou a seguinte questão: “Qual o papel da oposição num mais que provável governo Dilma Rousseff?” De minha parte, respondi: “Qual oposição? Não consigo bem entender a pergunta!”
A questão provocou uma indagação relativa ao que tem sido o exercício das oposições e, mais particularmente, dos tucanos na campanha presidencial. Com efeito, a oposição não agiu enquanto tal, salvo, agora, de forma atabalhoada, quando a derrota se vislumbra no horizonte imediato. Uma oposição digna desse nome deveria ter apresentado propostas, mostrado o seu contraste com o governo, expondo o que fez no passado e sugerindo medidas alternativas. Não deveria ter-se escondido enquanto oposição, fingindo ser uma outra forma da situação.
A oposição tucana alçou Lula a um pedestal, como se ele estivesse acima do bem e do mal.
Colocou-se, numa espécie de servidão voluntária, na posição de continuação do atual governo, interditando-se qualquer crítica ao atual mandatário. A chiadeira atual de que ele está ameaçando as instituições nada mais é do que o resultado de sua incompetência, o fruto desse reconhecimento preliminar de que a condenação do atual governo não deveria fazer parte de sua agenda política. É o estertor de uma política que não deu certo!
Nesse sentido, foi forjada a ideia de que Lula não é o PT. Logo, se ele não é o PT, como sua criatura seria a representante mesma do partido? Ela deveria ser “lulista”, e não “petista”, se essa distinção fizesse sentido. Em certo sentido, porém, ela faz sentido, porque Lula se mostrou maior do que o PT. Entretanto, em outro sentido, Lula é também o partido, sendo seu fundador e seu mais eminente representante. O fato de ele se ter afastado das posições mais radicais do seu partido não o faz um não membro partidário. Lula não existiria sem o PT.
Não deveria, pois, surpreender a declaração do ex-ministro José Dirceu de que a diferença principal entre Lula e Dilma reside em que o primeiro é “duas vezes o tamanho do PT”, enquanto a segunda é menor do que o partido. O que disse foi simplesmente uma verdade. A celeuma, nessa perspectiva, não tem nenhuma razão de ser, na medida em que pode ser constatada por qualquer pessoa preocupada em compreender a realidade tal como ela é. Outra pessoa tivesse dito a mesma coisa, a controvérsia nem se teria estabelecido nem os juízos de valor sobre a pessoa que a enunciou.
A propaganda eleitoral tucana que trata o ex-ministro como um representante do “mal” é só uma forma de continuar preservando a figura de Lula como encarnando o “bem”, procurando dessa maneira atingir a candidata Dilma. Não dá para entender. Fica-se com a impressão de que Dirceu é ainda ministro da Casa Civil, ou mesmo candidato, ou, ainda, que Dilma é sua criatura. A confusão é total. O ex-ministro foi, mesmo, utilizado como bode expiatório do próprio Lula, que assim se preservou. Em linguagem lulista, uma vez tendo entregue à execração o seu ministro mais importante, dedicou-se depois a reescrever a história, apresentando o mensalão como uma “tentativa de golpe”. E a oposição o que fez? Vociferou sem muita convicção e caiu no jogo – jogo esse que mostra agora seu desfecho.
Consequentemente, o PT tende a ter maior protagonismo no governo Dilma. Nada mais normal para um partido que vence a eleição. Qualquer partido vencedor tende a assumir essa posição. A questão, porém, não reside aqui, mas no que significa o PT novamente no poder. Formadores de opinião e setores do empresariado contentaram-se com os dois mandatos de Lula por ter este se afastado das posições mais radicais do seu partido. Festejaram a ruptura que não houve, embora tivesse sido anunciada.
Criou-se, assim, a ficção de que Lula não é o PT e que as posições mais revolucionárias do partido estariam descartadas. Não o foram, pois elas continuam animando boa parte de suas tendências. Acontece que o PT não é um bloco, que pensa de maneira uniforme. Ele só o é em período eleitoral, porque o objetivo maior, a conquista do poder, se torna um forte fator de coesão interna. Suas distintas alas se congregam desse modo, embora essa coesão seja também passageira, pois logo dará lugar às divergências explícitas entre suas várias correntes. Trata-se de algo difícil de compreender para os tucanos, que não conseguem unir-se nem em período eleitoral, expondo suas divergências até em público.
O período que se abre num mais que provável governo Dilma é o de como o PT vai resolver suas contradições internas. O que se convencionou chamar de “lulismo”, e outros chamam de “pragmatismo” petista, expressa a predominância de correntes internas que optaram por abandonar a ruptura com o capitalismo, visando à instauração de uma sociedade socialista autoritária no Brasil. Apesar de o discurso ideológico não ter essa clareza, por causa precisamente das disputas internas, o embate que se anuncia é o de se o PT vai perseverar na gestão responsável do capitalismo, numa via social-democrata de inclusão social, ou se optará por voltar à suas políticas irresponsáveis de antanho.
O PMDB, não esqueçamos, faz parte da aliança governamental e pelas boas e más razões não embarcará numa aventura revolucionária. Quanto mais não seja, para não perder os benefícios que extrai do status quo. A atual situação é-lhe mais que favorável e tudo fará para que não se altere. Ele continuará compartilhando o “pão”, talvez com mais voracidade. Há um novo jogo aqui, o das disputas internas do PT, que se tornará mais complexo com a atuação do PMDB, procurando ocupar os mesmos espaços. As oposições, que sairão derrotadas deste pleito, serão, num primeiro momento, meras espectadoras. Terão, preliminarmente, de responder à pergunta “qual oposição?”, se pretenderem, num segundo momento, um papel de protagonismo.
Fonte: Jornal “O Estado de S. Paulo” – 27/09/10
Já é a segunda vez que o autor me surpreende.