O sistema político brasileiro sofre uma grave crise de representatividade. Se por um lado, o Congresso Nacional tem algumas de suas cadeiras ocupadas por parlamentares que agem de acordo com os interesses próprios e são investigados em escandalosos esquemas de corrupção, por outro, a quantidade exacerbada de partidos políticos não reflete diferentes ideologias e acaba por deixar a sociedade descrente de mudanças. Mas há também outra questão importante a ser analisada. Em entrevista ao Instituto Millenium, o professor titular de Direito da USP e FGV, José Eduardo Faria, apontou para um desequilíbrio na escolha dos candidatos entre as federações do país, o que nos distancia ainda mais do objetivo de ter um Legislativo representativo. Ouça a entrevista abaixo!
O especialista do Instituto Millenium relata que este cenário vem sendo construído desde o início do governo de Getúlio Vargas, que chegou ao poder em 1930. Dois anos depois, Vargas sofreu uma forte pressão diante da Revolução Constitucionalista, movimento ocorrido em São Paulo para derrubar o governo provisório e convocar uma Assembleia Nacional Constituinte, fato que veio a ocorrer em 1934. A partir daí, o então presidente percebeu que a sua condição de permanência no governo estava atrelada a não permitir a fusão do poder político com o econômico da federação paulista, o que o levou a trabalhar com a premissa de que estados economicamente fortes devem ser politicamente fracos e vice-versa.
Tal questão foi se consolidando ao longo dos anos no Brasil, inclusive com a criação de estados da região Norte e Centro-Oeste a partir de cortes de federações anteriormente existentes, o que ampliou as bancadas de locais menos desenvolvidos em detrimento daquelas que representavam as federações mais desenvolvidas do país. José Eduardo Faria acrescenta que a Constituição de 1988 engessou ainda mais esse cenário ao criar um número mínimo de 8 parlamentares na Câmara por estado e fixar o teto de 70 cadeiras, independentemente do tamanho da federação. “Isso significa que São Paulo, que deveria ter 114 deputados, ficou com 70”, comenta o professor, salientando que existe uma sub-representação de regiões do Sul e Sudeste e, em contrapartida, há uma hiper representação do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
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“Falando em termos mais aproximados, você deve ter hoje alguma coisa como 38% do eleitorado nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e elas controlam 52% dos acentos da Câmara e, em média, 74% das cadeiras no Senado. As regiões onde temos 68% do eleitorado ficam com 48% das vagas na Câmara e cerca de 21% ou 24% do Senado. Então temos uma representação que não é muito fiel, com problemas de credibilidade e legitimidade. Isso influencia muito a questão da formulação de políticas públicas, a governabilidade brasileira e o próprio processo eleitoral”, explica Faria.
Como a maioria dos eleitores estão nas regiões Sul e Sudeste, a campanha dos presidenciáveis também se concentra nessas áreas, no entanto, segundo o especialista, após serem eleitos, eles são obrigados a trabalhar com um “presidencialismo de coalizão”, negociando fatias generosas com as bancadas de estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Todo esse mecanismo “empobrece a criação de políticas públicas, compromete a qualidade do gasto público e gera tensões que vão crescer com a fragmentação do sistema partidário”, destaca.
Para José Eduardo Faria, é natural que essa mudança encontre forças de interesses contrárias a ela, no entanto, é um problema que carece de solução. “É evidente que as regiões que estão favorecidas politicamente não vão querer promover reforma alguma. Deve ser uma transformação lenta, a partir de processos de correção das desigualdades regionais, de educação do eleitorado… É uma questão que vai se resolver a médio e longo prazos”.