A privatização da Eletrobras, que enfrenta resistências no Congresso, não é prioridade apenas para o governo — que vê na operação uma forma de reduzir o rombo nas contas públicas. O que está em jogo é o próprio papel da empresa, maior geradora de energia da América Latina, e sua capacidade de investir o suficiente para assegurar a expansão da oferta de energia no país, afirmam fontes a par das negociações. Nos cálculos de fontes envolvidas no processo, se a Eletrobras não for privatizada, continuará a acumular perdas que podem chegar a R$ 5 bilhões somente neste ano — considerando apenas operações problemáticas, como as distribuidoras de energia deficitárias e o custo das obras paradas de Angra 3. Um quadro que reduz ainda mais a já limitada capacidade de investimento.
Entre 2010 e 2015, a empresa investiu R$ 60 bilhões. No entanto, no ciclo 2018-2022, a previsão caiu para R$ 19,5 bilhões. Com a capacidade de investimentos restrita aos níveis atuais, a empresa deixará de investir R$ 50 bilhões por falta de recursos próprios ou dos acionistas e por não conseguir crédito nos bancos. Isso porque a empresa teria que investir R$ 14 bilhões por ano até 2026, somente para manter sua fatia do mercado (31% da capacidade de geração de energia do país e 49% da transmissão), e só consegue aportar R$ 4 bilhões ao ano.
Em entrevista ao “Globo”, o presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Jr., deixou claro que não trabalha com outra saída para a companhia senão passá-la ao controle privado. Segundo o executivo, a empresa não tem condições de participar de novos leilões para a expansão do sistema. Isso reduz a competição dos leilões de expansão do sistema, favorecendo empreendimentos com tarifas mais altas.
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— Se a Eletrobras não for capitalizada, quem mais perde é o consumidor e contribuinte brasileiro. Perde duas vezes: pagando tarifa mais alta pela energia e bancando privilégios — diz Ferreira Jr., referindo-se indiretamente às resistências políticas e corporativas à privatização.
Só no ano passado, as provisões feitas pela estatal totalizaram R$ 5,31 bilhões, mas Ferreira Jr. prefere não estimar quais serão os custos este ano. Só as obras da usina nuclear de Angra 3, paralisadas desde 2015 após virar alvo da Lava-Jato, geram prejuízo anual de quase R$ 1 bilhão. Já as seis distribuidoras no Norte e no Nordeste, que a estatal tenta vender antes da privatização, registraram no ano passado perdas de R$ 4,2 bilhões. Em 2016, foram R$ 6,6 bilhões. Se não conseguir vendê-las até 31 de julho, mesmo que pelo preço simbólico de R$ 50 mil, a Eletrobras corre o risco de ainda ter de assumir a dívida bilionária delas: R$ 21,5 bilhões.
— Se não fossem as provisões, teríamos tido R$ 3,5 bilhões de lucro em 2017, em vez do prejuízo de R$ 1,72 bilhão — disse o presidente da Eletrobras.
Estrangeiras ganham mercado
A Eletrobras já vem perdendo espaço no mercado de energia elétrica ao ficar fora de cada vez mais leilões do setor. Em cinco anos, a estatal viu sua participação na área de geração ser reduzida de 36% para 31% em cinco anos. Na outra ponta, a iniciativa privada avança. Empresas como a italiana Enel, a franco-belga Engie, a Neoenergia e a CPFL ganharam participação com uma série de parques eólicos e solares, além de hidrelétricas e termelétricas.
Pelos cálculos da Eletrobras, a União teria que injetar na empresa, no total, R$ 84 bilhões em dez anos só para manter seu tamanho atual. O governo, no entanto, já avisou que não tem esse dinheiro.
Especialistas, o governo e a própria empresa apontam como o principal agravante da crise financeira da estatal a Medida Provisória 579, de 2012, que renovou contratos de concessão para forçar redução nas tarifas de energia no governo Dilma Rousseff. As regras abalaram o caixa da estatal ao tabelar a remuneração pela energia gerada em algumas usinas. Ao mesmo tempo, a empresa estava comprometida com grandes investimentos, como as hidrelétricas de Jirau, Santo Antônio e Belo Monte, o que aprofundou o seu endividamento. A dívida bruta da Eletrobras chega hoje a R$ 45,5 bilhões. Com isso, estão atrasados empreendimentos, e a empresa colocou à venda participações em 70 projetos.
A privatização é vista como a única saída para permitir que a Eletrobras deixe de operar 14 de suas maiores usinas pelo regime de cotas (quando são remuneradas a preços fixos), para adotar uma remuneração a preços de mercado. Isso deve dar fôlego ao fluxo de caixa da estatal. Mas para isso, ela teria que pagar à União um bônus de outorga da ordem de R$ 12 bilhões. O aumento de capital geraria os recursos para esse passo, que a estatal não tem condições de dar hoje. Em vez de um leilão, o plano é emitir novas ações nas Bolsas de São Paulo, Nova York e Madri. A União, que tem 60% do capital, não acompanhará o aumento de capital e, assim, terá sua participação diluída para algo entre 40% e 50%. Com isso, perderá o controle.
Palavra final é do Congresso
O presidente da Eletrobras acredita que será possível privatizar a companhia em novembro ou dezembro deste ano, principalmente após a publicação do decreto presidencial incluindo a Eletrobras no Programa Nacional de Desestatização (PND) no último dia 19. No entanto, a palavra final é do Congresso. O governo enfrenta forte resistência, sobretudo nas bancadas do Nordeste e de Minas Gerais, onde se localizam as principais subsidiárias da Eletrobras, alvos de influência política.
Ronaldo Bicalho, do Instituto de Economia da UFRJ e do Instituto de Desenvolvimento Energético do Setor Elétrico (Ilumina), diz que o governo deveria repensar o setor elétrico antes de decidir pela privatização da Eletrobras:
— A discussão mais importante neste momento é pensar um novo modelo do setor elétrico, e, a partir daí, definir qual a participação do Estado, se vamos privatizar ou não a Eletrobras. O setor elétrico tem inúmeros problemas sérios a resolver e o que está em perigo é a segurança do abastecimento de energia.
+ “Qual é mesmo a divergência?”
João Carlos Mello, presidente da Thymos Energia, avalia que é fundamental para o setor que uma empresa do porte da Eletrobras mantenha condições de continuar investindo:
— A saída é a gestão privada, com governança e mais facilidade para processos de redução de custos. Se não privatizar, a Eletrobras vai se deteriorar ainda mais financeiramente, e não terá condições de investir na expansão do sistema.
Para Rodrigo Leite, sócio do Leite Roston Advogados, a capitalização da Eletrobras é essencial para garantir novos investimentos e a atração de investidores para projetos do setor:
— A privatização é crucial para ela não se deteriorar cada vez mais. A Eletrobras é o grande condutor de investimentos estruturantes.
Fonte: “O Globo”