Durante anos os formuladores de política para o setor de energia no Brasil foram acometidos da chamada síndrome da espiral. Essa síndrome acontece quando as pessoas têm certeza de que o caminho mais curto entre dois pontos não é uma reta, e sim uma espiral. Portadora dessa síndrome, na política pública faltaram objetividade e pragmatismo e sobraram intervencionismo, academicismo, houve pouca ou nenhuma racionalidade econômica e quase sempre o governo apostou contra o mercado. Isso provocou crises num país com uma enorme diversidade energética.
Uma explicação foi a presença de grandes empresas estatais que, por meio de um discurso ideológico, se transformaram em ícones e em campeãs nacionais, vendendo a falsa ideia de que pertenciam ao povo. Essas empresas nunca tiveram uma governança capaz de proteger os interesses de seus acionistas e suas políticas sempre tiveram um viés político/partidário. Com isso, nunca se desenvolveu o mercado de energia no interesse do consumidor, e sim em benefício dos políticos e dos amigos do rei. Exemplo: a falta de fiscalização de agentes vendedores de combustíveis.
Essa narrativa precisa mudar. O governo acerta ao dar autonomia para que estatais como Petrobrás e Eletrobrás se redimensionem adotando planos de desinvestimentos. Mas é preciso que o governo não perca o foco pró-mercado e não ceda a setores atrasados da economia que vendem a imagem de modernidade. Decisões que ajudariam na geração de empregos e na atração de investimentos já poderiam ter sido tomadas, e isso vem frustrando o mercado. No etanol, a demora em usar a Cide como imposto ambiental; no petróleo, o adiamento da decisão sobre a cessão onerosa, política de conteúdo local e extensão do Repetro; na energia elétrica, leilões regionais, gás natural na base do sistema elétrico e critérios econômicos para novos leilões e para qualificar investidores.
Tomemos o exemplo do gás natural. A política para o setor há anos tem sido a de criar grupos de trabalho e elaborar estudos e planos. Nada disso alcançou o objetivo de promover uma maior participação do gás natural na matriz energética brasileira. Por quê? A explicação principal foi o monopólio da Petrobrás. Na área do gás natural, a Petrobrás sempre foi um monopólio vertical e horizontal, e com isso ditava as regras e o próprio planejamento e crescimento do setor. Agora, com a nova Petrobrás vendendo ativos, inclusive na área do gás, é chegada a hora de mudar e atrair o capital privado.
Essa é a intenção do Ministério de Minas e Energia, ao criar o programa Gás para Crescer e aprovar diretrizes no âmbito do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).
O alerta é de que, mais uma vez, o governo parece estar caindo na armadilha da síndrome da espiral. Em vez de focar em pontos nos quais existe consenso no mercado, encurtando o caminho para o gás ter participação mais relevante na matriz energética, cria oito grupos de trabalho e manda os agentes do setor se entenderem. Isso é voltar a uma prática que já se mostrou improdutiva. Produtivo seria agentes e governo atacarem em conjunto quatro pontos:
1. Alterar a tributação do ICMS sobre importação do gás natural, transporte e sobre as operações de comercialização interestadual;
2. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis criar metodologias claras, com lógica econômica e de mercado para as tarifas de transporte e de acesso à infraestrutura;
3. Realizar leilões de gás natural, com as usinas gerando na base do sistema elétrico, criando âncoras de consumo que permitiriam desenvolver outros mercados de gás natural; e, em conjunto com os Estados, estabelecer uma regulação de distribuição mais harmoniosa.
O governo, de forma correta, vem promovendo as reformas fiscal, da Previdência e trabalhista. Está na hora da reforma energética.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 11/02/2016.
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