O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu reduzir o foro privilegiado para deputados e senadores. Agora, só será processado na Corte quem é investigado por fatos relacionados ao mandato, cometidos enquanto o parlamentar estiver no cargo. A decisão, tomada com os votos de sete dos onze ministros do tribunal, vai provocar a transferência de inquéritos e ações penais para a primeira instância do Judiciário. Ainda não há um levantamento de quantos casos serão afetados. Após o julgamento, o ministro Luís Roberto Barroso disse que cada caso terá de ser reanalisado para decidir o foro adequado.
A proposta de diminuir a abrangência do foro foi apresentada por Barroso. Segundo a decisão, ao fim do mandato do parlamentar, a investigação aberta na Corte será transferida para a primeira instância do Judiciário. Isso só não acontecerá se a ação penal já estiver totalmente instruída, pronta para ser julgada. A medida serviria para evitar adiar a conclusão do processo.
Leia também:
Márcio Coimbra: “O fim do foro torna as pessoas mais iguais perante a lei”
João Wiegerinck: “Foro corrompido”
Helio Gurovitz: “O foro privilegiado não acaba hoje”
Ainda segundo o entendimento dos ministros, os crimes praticados antes de a pessoa ser eleita para o Congresso Nacional não serão processados na Corte, mas na primeira instância. Os crimes comuns praticados por parlamentares também ficarão fora do STF. Se, por exemplo, um senador fosse acusado de violência doméstica, o processo também será conduzido na primeira instância, ainda que o ato tenha sido praticado ao longo do mandato.
Atualmente, qualquer crime cometido por deputados federais e senadores, antes ou durante o mandato, é julgado apenas no STF. Quando o político se elege para esses cargos, eventuais processos já abertos contra ele em outras instâncias são transferidos para a Corte. Agora, isso não vai mais acontecer.
Lacunas
A decisão do STF deixa uma série de lacunas. Por exemplo: quais serão os critérios para considerar um crime decorrente do exercício da função? E mais: se um deputado pratica um crime no cargo e depois é reeleito, a investigação fica no STF? Há também uma discrepância: se um ministro de estado agredir alguém e o crime não tiver relação com o cargo, o processo ficará no STF. Se um parlamentar cometer o mesmo ato, a investigação correrá na primeira instância.
Concordaram com o relator Rosa Weber, Marco Aurélio Mello, Edson Fachin, Luiz Fux, Celso de Mello e a presidente do tribunal, Cármen Lúcia. Os outros quatro ministros também defendem que parlamentares sejam investigados no STF apenas por crimes cometidos ao longo do mandato. Mas queriam que a prerrogativa valesse inclusive para crimes comuns, mesmo que não tenham qualquer relação com o mandato.
Do grupo minoritário, Dias Toffoli e Gilmar Mendes queriam estender o foro reduzido a todas as autoridades que têm esse direito. Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski concordaram em aplicar a nova regra apenas a deputados e senadores.
Na quarta-feira, Toffoli foi favorável a restringir o foro a crimes cometidos durante o mandato de deputados e senadores, independentemente de ter relação com o cargo. No começo da sessão desta quinta, ele alterou seu voto para estender a decisão para todas as autoridades que possuem essa prerrogativa atualmente. Toffoli argumentou que o posicionamento da corte vai gerar questionamentos sobre a situação de outras autoridades. Mas apenas o ministro Gilmar Mendes o acompanhou e a proposta foi derrotada. Gilmar criticou a sugestão de Barroso e lembrou que a regra do foro compõe um sistema coeso.
— E as medidas investigatórias e cautelares, como ficam? Poderia um juiz de primeira instância quebrar sigilo de qualquer um? Se o STF entende que pode investigar presidente… Poderia um dos mais dos 18 mil juízes do Brasil determinar busca e apreensão no Palácio do Planalto? — questionou Gilmar.
+ Imil quer saber: O que você acha do foro privilegiado?
Embora tenha seguido a posição de Toffoli, ele não deixou de defender a atuação do STF na análise de processos criminais. Gilmar voltou a dizer, por exemplo, que menos de 10% dos homicídios brasileiros são desvendados. Assim, a impunidade é um problema também nas outras instâncias da justiça brasileira.
— Nós acabamos tratando do sintoma e não da causa da questão. Não é preciso fazer muito esforço para saber que, para ser ruim, a Justiça criminal brasileira precisa melhorar muito. O quadro é de verdadeiro caos — disse Gilmar.
Regras estatuais
Toffoli votou no sentido de que o foro só se aplica quando o crime a ser investigado ocorreu após a diplomação, no caso de políticos, ou a nomeação, no caso das demais autoridades. Assim, a regra passaria a valer para mais de 38 mil autoridades que tem essa prerrogativa com base na constituição. Toffoli ainda declara nulas regras estaduais que garantem foro a outras autoridades, o que tiraria de mais de 16 mil autoridades qualquer possibilidade de foro especial.
— Nossa decisão suscitará questionamentos sobre outros detentores. Vou fazer adendo e retificação do meu voto no sentido de trazer alguns balizamentos em relação a outros cargos e funções no que pertine a aplicação ou não do foro. Tendo em vista a ideia de isonomia, não podemos somente restringir foro aos parlamentares. Temos então de aplicar essa interpretação a todos enquanto tenham foro de prerrogativa — afirmou Toffoli.
As consequências práticas do julgamento ainda são uma incógnita. Enquanto um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que 95% dos processos que hoje estão no STF seriam transferidos para a primeira instância. Mas Alexandre de Moraes afirmou que, em seu gabinete, esse índice não passa de 20%.
Fonte: “O Globo”