Enquanto Brasil sedia Congresso Mundial de Pesquisas sobre Cérebro, área enfrenta dificuldade devido a ajuste
Apesar de o Brasil ter sido escolhido o primeiro país da América Latina a receber uma edição do Congresso Mundial de Neurociência da Organização Internacional de Pesquisa do Cérebro (IBRO, na sigla em inglês), cientistas brasileiros ouvidos por “O Globo” no evento — que começou nesta segunda-feira e termina no sábado — dizem ter também motivos de preocupação este ano. Diante da crise econômica, aumentam os relatos de cortes no repasse de verbas para pesquisas científicas, que se juntam aos já conhecidos problemas com a burocracia para produzir trabalhos relevantes no país.
Em entrevista a “O Globo” na semana passada, a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, chefe do Laboratório de Neuroanatomia Comparada do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, contou que corre o risco de ver os trabalhos no laboratório que chefia paralisados por falta de recursos. Isso porque, no fim do ano passado, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) aprovou uma verba de R$ 50 mil — metade dos R$ 100 mil originalmente pedidos — para financiar as pesquisas durante três anos, mas até agora só pouco mais de R$ 6 mil foram liberados.
Tendo recentemente conseguido publicar um importante estudo sobre a anatomia do cérebro humano na renomada revista científica “Science”, ela afirma que os valores para esse tipo de pesquisa no Brasil sempre foram “ridículos”. Com a crise, a situação só piorou:
— Este valor de R$ 50 mil, por exemplo, é o preço de um carro. E é com esse nível de dinheiro que a gente faz ciência no Brasil, enquanto nossos colegas estrangeiros trabalham com milhões — afirma ela que cogita, inclusive, sair do país para conseguir dar continuidade ao seu trabalho.
‘O cenário atual é imprevisível’
De acordo com o pesquisador da UFRJ e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) Stevens Rehen, membro do comitê organizador do IBRO 2015, o caso de Suzana reflete uma delicada situação que se agrava desde o final do ano passado para cá: as agências de financiamento de pesquisa não vêm repassando a verba do governo para os pesquisadores porque não as recebem.
— Ainda que aquém do ideal, os investimentos em pesquisa melhoraram muito nos últimos anos. Mas, do final do ano passado pra cá, as coisas estão complicadas, porque as agências não estão recebendo repasses do governo. A Faperj, o CNPq e a Capes agora estão estancados por conta da situação econômica. Assim, o cenário atual é imprevisível: não sabemos quando, onde e qual o montante de recursos que nos serão repassados —diz Rehen.
O pesquisador conta que diversos de seus projetos estão parados, entre eles um sobre a síndrome de Dravet — uma rara doença genética epiléptica. De acordo com Rehen, essa situação ainda tem sido agravada pela tradicional burocracia para a importação de insumos e para o uso de recursos privados dentro das universidades .
— Na UFRJ, já tive recursos repassados por uma empresa para investimentos no meu laboratório e que foram praticamente perdidos dentro da burocracia estabelecida, que me obriga a fazer uma licitação para comprar um produto para a minha pesquisa com um dinheiro que não é público.
Presidente do IDOR, o neurocientista Jorge Moll conta que o problema do repasse de verba para o financiamento de pesquisas está afetando também projetos com apoio externo.
— Neste ano, lançamos um edital em uma iniciativa inédita com a Faperj e, nele, cada entidade seria responsável por metade da verba de R$ 10 milhões da iniciativa. No entanto, o edital está parado porque ela não recebeu o repasse de dinheiro para realizar a sua contribuição.
Pesquisador há sete anos na University of Western Ontario, no Canadá, o neurocientista Marco Antonio Prado afirma que trocou a UFMG pela instituição estrangeira após se cansar das frustrações burocráticas e da falta de condições de infraestrutura adequadas para a prática científica no Brasil. Ele conta que, nos últimos meses, passou a ouvir mais casos de pesquisadores que estão preferindo deixar o país diante da crise:
— Na própria UFMG, fiquei sabendo de um professor que está indo para a Universidade do Texas diante das dificuldades atuais. O contraste é muito grande. No Canadá, minhas únicas preocupações são trazer dinheiro para o meu laboratório e fazer a minha pesquisa. Aqui, não.
Pesquisadores ‘heróis’
Diante do cenário, o neurocientista diz considerar os pesquisadores brasileiros verdadeiros “heróis”, e lamenta que a sua capacidade de produção seja limitada pela falta de planejamento do governo.
— Temos excelentes pesquisadores no Brasil, mas eles precisam fazer mágica para conseguir produzir seus trabalhos no nível em que o fazem. Se tivessem as facilidades que tenho no exterior, sua produtividade seria maior e melhor. Talvez já pudéssemos ter descoberto a cura do Alzheimer se não precisássemos ficar lidando com esse dia a dia de falta de investimento.
Questionada sobre seus últimos investimentos na área de neurociências e afins, a Faperj informou que, desde 2007, aplicou cerca de R$ 31,4 milhões em bolsas e auxílios. A entidade negou haver expectativa de cortes para este ano, mas reconheceu que o crescimento que vinha acontecendo nos últimos anos não deve ocorrer. Sobre os entraves com editais, a informação é que os projetos têm levado, em média, três meses para ter o desembolso financeiro após a contratação. Além disso, devido à desaceleração econômica do país, o governo do estado precisou tomar medidas de adequação em sua execução orçamentária.
Sobre o edital com o IDOR, a Faperj nega que esteja parado. A fundação afirma que uma parte considerável da sua contrapartida se dá por bolsas pagas mensalmente, que já foram implementadas (R$ 156.880 já pagos e R$ 588.540 a serem pagos no período de vigência das bolsas). A parte relativa a custeio, de R$ 1,7 milhão, está aguardando liberação financeira, o que deve ocorrer em até oito semanas.
Já o Ministério de Ciência e Tecnologia e Inovação informou, por meio do CNPq, que, em relação ao edital pelo qual o projeto da pesquisadora Suzana Herculo-Houzel foi contemplado, o repasse vem seguindo um cronograma até 2016, feito de forma gradual e proporcional a todos os 5.529 projetos de pesquisa aprovados nesta chamada. O órgão disse estar empenhando todos os esforços para atender “às múltiplas e legítimas demandas da comunidade científica”, mas não respondeu se houve redução no orçamento deste ano.
Por sua vez, a UFRJ informou que buscará, nas próximas semanas, soluções junto ao MEC para “garantir que as pesquisas da universidade sejam desenvolvidas mantendo o padrão de excelência que a sociedade espera”.
Fonte: O Globo
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