*Daniel Feffer
A Assembleia-Geral da ONU será palco, nesta segunda-feira, de uma votação da maior importância para a melhoria do comércio global. Os Estados-membros terão à frente projeto de resolução que visa a conceder status de “observador” na ONU à International Chamber of Commerce (ICC), cujo comitê brasileiro tenho a honra de presidir. A Confederação Nacional da Indústria é grande aliada do ICC Brasil.
Quase centenária, a ICC é uma instituição que emergiu em 1919, na conjuntura do pós-1.ª Grande Guerra e está voltada para a promoção do livre-comércio e a solução negociada de controvérsias. Assim, seus objetivos coincidem com os da ONU.
O pioneirismo da ICC no estabelecimento de padrões para cartas de crédito ou na Corte Internacional de Arbitragem é reconhecido por todos. Vale também destacar que a ICC conta em seus quadros com algumas das lideranças empresariais mais influentes do mundo. Espaços que congreguem as comunidades empresariais e diplomáticas são crescentemente relevantes. Tanto mais quando se observa num contexto mais amplo a dramática evolução de forma e conteúdo por que passa o comércio global.
Protecionismo
Há 25 anos, no rescaldo da guerra fria, as trocas internacionais apontavam para uma grande interdependência das cadeias produtivas – primado das manufaturas, integração econômica e política regional como tendências irreversíveis. Hoje, no entanto, há uma escalada do protecionismo em diferentes nações. A esse fenômeno em geral se associam argumentos de visão parcial. Essa tendência se verifica mesmo em economias mais afeitas aos princípios de livre mercado. EUA e Europa, em reação atabalhoada à crise de 2008, flertam com mais protecionismo e “conteúdo nacional”. Isso se reflete na corrida à Casa Branca, nas motivações mais nacionalistas que levaram ao Brexit e no atual debate político em países como França e Alemanha.
O resultado a pagar é alto. O mundo está “menos plano”. Com isso, retórica e prática antiglobalizantes ganham força. Se companhias americanas ou europeias perderam eficiência, difunde-se a miopia com mais fechamento. Talvez tais medidas mantenham, no curto prazo, empregos locais e geração de impostos nas jurisdições nacionais. Resulta disso que o atual volume de comércio global retornou ao patamar de 2009 – onerando sobretudo os consumidores nos mais diferentes países.
Em paralelo a vetores antiglobalizantes, o comércio internacional também ruma para maior complexidade e mesmo sua “desmaterialização”. Cloud computing, inteligência artificial, modelagem, design e impressão em 3D compõem o que se vem chamando de Indústria 4.0. Nesse quadro complexo, que inclui paradoxos como menor propensão ao comércio e a ascensão de bens intensivos em alta tecnologia, uma cooperação mais intensa entre ICC e ONU é fundamental. Ela também ajudaria a fortalecer, de forma indireta, a missão da Organização Mundial do Comércio, competentemente dirigida pelo embaixador Roberto Azevêdo.
Além disso, essas tendências desglobalizantes não durarão para sempre. No atual cenário, poucos países apresentam desempenho brilhante. Isso convidará em breve à retomada de maior interdependência econômica. Com presença ainda mais efetiva na ONU a ICC ajudará a defender e propagar novas formas de comércio. E, portanto, também a conceber mecanismos que permitam a inclusão competitiva de empresas de pequeno e médio portes, bem como países de menor desenvolvimento relativo.
Novos hubs internacionais
A atual elevação dos custos de produção na China cria novos fluxos de comércio em que nações de menor custo relativo ingressam competitivamente na cadeia de fornecimento – é o caso da vizinhança asiática ou mesmo para parceiros na África e na América do Sul. Com a arremetida de outras estrelas asiáticas, como Índia e Indonésia, inauguram-se correntes globalizantes na consolidação de novos hubs industriais e no surgimento de novos choques de demanda por commodities – o que beneficiará países de menor grau de complexidade econômica.
Brasil
Ao longo da História o Brasil preteriu a questão da competitividade. Daí não surpreender ostentarmos a posição de país mais fechado dentre as 20 maiores economias do mundo. Comércio exterior e tecnologia, mais que eliminar postos de trabalho, transformam-nos mediante treinamentos e estratégias inovadoras e criam mais oportunidades para trabalhadores e empresas. Países de diferentes regiões, desenvolvimento relativo e trajetória cultural utilizaram o comércio como principal motor de sua ascensão nos últimos 70 anos. Isso vale para Japão ou Chile, Alemanha ou Coreia do Sul, China ou Espanha.
Precisamos – governo, academia e empreendedores – aumentar o debate sobre competitividade e abertura no Brasil. Temos, assim, de incrementar a governança de nossa inserção global. É por isso que temos feito gestões para que o governo do País endosse o status de observador à ICC na ONU. Isso lhe permitirá somar esforços ao lado do Brasil no restabelecimento da confiança do setor privado e na retomada do crescimento econômico do País.
O Brasil pode se beneficiar da articulação com os mais de 90 comitês nacionais da ICC para melhorar o fluxo de comércio com tais países, além de contar com o apoio de comissões temáticas em políticas de investimento, financiamento do comércio, inovação, propriedade intelectual, meio ambiente e energia em ações transacionais que promovam a melhoria do ambiente de negócios. Nesta conjuntura adversa de protecionismo e populismo, mesmo em democracias avançadas, garantir a presença da ICC na ONU é de particular relevância – tanto mais no momento em que o País precisa, como nunca, expandir sua fatia no comércio global.
*Chairman do ICC Brasil, é vice-presidente do conselho da Suzano Papel e Celulose
Fonte: O Estado de S.Paulo, 08/10/2016.
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