*Por Adriano Pires e Ana Siqueira
A década de 1990 no Brasil foi marcada por relevantes reformas, que demandaram intenso trabalho de diagnóstico, planejamento, articulação e execução. A abertura naquela época gerou perspectivas muito promissoras, cenário que contrasta muito com a realidade atual. O País padece de graves problemas decorrentes da forte intervenção do governo na economia e pelo imenso escândalo de corrupção revelado pela Operação Lava Jato. O mais recente alarme veio da paralisação dos caminhoneiros, a crise de maio de 2018.
A combinação de um Estado intervencionista com um baixo nível de governança e uma supervisão falha deixou o terreno fértil para essa indesejável mudança de rumo. No caso da crise do transporte de carga, faltou planejamento em pelo menos duas dimensões: a distorção da matriz energética para o setor de transportes e potencial impacto dos preços de combustíveis na economia. O governo deveria ter se preparado, para um eventual cenário de aumento expressivo de preços de combustíveis desde 2016, quando a Petrobras tornou pública a sua nova política de alinhamento com preços internacionais.
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Diante do caos gerado pela paralisação dos caminhoneiros, o governo optou pelo tabelamento dos fretes e a criação da conta diesel, o que representou mergulhar no túnel do tempo. Isso gerou um pesado ônus para a sociedade e duro golpe para atração de players privados para atuação em refino. A história recente, mostra que a despeito da Lei de Petróleo e da Lei das SA, o governo exerceu forte influência na política de preços da Petrobras, em especial, no período de 2011 a 2014, gerando prejuízos e um alto de endividamento.
Caso houvesse players privados relevantes no segmento de refino, o controle de preços seria visto como quebra de regras, algo que causaria um impacto muito negativo ao país e ações nos órgãos de defesa da concorrência contra tais práticas. A possibilidade de existência de players privados se tornou ainda mais distante face à decisão cautelar proferida pelo Ministro Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, que fez a Petrobras suspender processos de venda de participações nas refinarias do Nordeste e Sul.
Voltando à crise de maio, a solução transitória deveria ter sido a introdução de um gatilho para o reajuste de preçosrefinaria da gasolina e do diesel, baseado no acúmulo de determinada variação percentual de preços (aumento ou redução). Não faz sentido discutir a precificação dos segmentos de distribuição e revenda, pois atuam em mercados onde há concorrência. Como solução definitiva, a criação de um imposto regulatório flexível que abastecesse um Fundo de Estabilização dos Preços permitindo não repassar ao consumidor a volatilidade do preço do petróleo e da taxa de câmbio. Visando garantir a criação desse mecanismo do Fundo, com repartição do risco de preço entre os vários participantes do mercado, seria criada uma Contribuição sobre Combustíveis (CSC). No caso da gasolina, o imposto flexível é importante para garantir a competitividade do etanol, pois qualquer alteração no preço da gasolina impacta o etanol. E por fim, esta proposta vai ao encontro de uma demanda da sociedade, claramente exposta na greve, por tributos justos, eficientes e ambientalmente corretos. Importante ressaltar que o imposto flexível existe, e funciona muito bem, em lugares onde prevalecem as regras de mercado na formação dos preços, a exemplo dos países europeus.
+ Os efeitos da greve dos caminhoneiros na indústria brasileira
A crise de maio de 2018 comprova que falhas na atuação do governo têm potencial para gerar externalidades bastante negativas para a população e setores da economia do País. O Estado brasileiro precisa melhorar a qualidade da sua governança, planejamento e gestão. Especificamente no caso do setor de energia, o País precisa ter um planejamento energético de qualidade de longo prazo, blindado contra mudanças de governo, que considere com seriedade temas como, políticas regionais, novas tecnologias, eficiência energética, fontes renováveis e redução da participação de combustíveis fósseis na matriz brasileira. Não podemos virar as costas para questões globais relativas à indústria.
O Estado brasileiro tem atuação relevante em setores-chave da economia, notadamente através da Petrobras e Eletrobras. A qualidade da governança adotada tem destacado papel na criação ou na destruição de valor de uma empresa e as externalidades negativas causadas por falhas em governança podem ser expressivas, como mostra o recente história destas empresas. A evolução institucional no campo da governança corporativa é notória no país com os lançamentos do Código Amec de Stewardship, do Código Brasileiro de Governança Corporativa (CBGC), e da Instrução 586 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) – normativo que exige das companhias abertas informe anual sobre aderência ao CBGC. mas ainda cabem alguns questionamentos.
Como as empresas responderão a esses avanços? Vão encará-los como uma oportunidade ímpar de reflexão, com transparência e genuína vontade de aprimorar suas práticas, ou como algo burocrático a ser cumprido? Como a aderência aos códigos e às novas exigências serão monitorados e mensurados pelos conselhos de administração e respectivas instituições responsáveis? Os investidores institucionais exercerão o seu dever fiduciário de monitorar as empresas e de incentivá-las a aprimorar a sua governança?
A sociedade civil, por sua vez, precisa se engajar para monitorar a qualidade da governança da União e a eficiência da gestão pública, seja através da participação individual ou através de associações. Precisamos de um Estado com boa governança e gestão e que ofereça serviços de qualidade. A sociedade precisa estar cada vez mais consciente, crítica e ciente do seu poder de vocalização, potencializada pelo uso das mídias sociais. Precisamos avançar e outubro e uma boa oportunidade.
Fonte: “Valor Econômico”, 12/03/2018