Sobram truques, oportunismo e trapalhadas nessa corrida eleitoral. Difícil dizer o que é pior: o silêncio de Jair Bolsonaro sobre temas básicos de economia ou a incapacidade do PT de renovar sua agenda econômica.
Bolsonaro exerce seu 7.º mandato de deputado federal desde 1991 e já passou por 9 partidos. Apesar disso, ele se apresenta como “cara nova” e antiestablishment. O marketing parece funcionar, ironicamente, devido à sua exígua atividade parlamentar.
Em um país com tantos desafios, surpreende um parlamentar tão longevo ser principiante. Ele insiste, pois, em delegar ao coordenador de seu programa econômico, Paulo Guedes, as questões centrais de seu plano de governo, sendo que a agenda de cunho liberal de Guedes contrasta com sua atuação no Congresso. Isso alimenta as incertezas de como seria seu governo de fato.
Um estudo da XP, elaborado por Victor Scalet, sobre a atuação do parlamentar aponta que 46% das suas proposições tiveram cunho corporativista, com destaque para a defesa de militares e profissionais de segurança. Outros 10% vão para temas relacionados a porte de armas, que ganharam relevância mais recentemente. A segurança pública, curiosamente, não foi contemplada.
Bolsonaro foi contra as reformas estruturais, a começar pela oposição ao Plano Real. E assim seguiu para a quebra dos monopólios do petróleo e das telecomunicações e as reformas administrativa e da Previdência na gestão Fernando Henrique Cardoso.
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O papel da elite
Bolsonaro diz ter mudado de opinião. Não há problema nisso. É o que fazem políticos comprometidos ao se defrontarem com seus equívocos. Mas, se ele mudou, o que exatamente pensa? O eleitor está no escuro em relação às suas reais pretensões.
Aprendemos com a experiência malsucedida de Joaquim Levy, ministro da Fazenda de Dilma Rousseff em 2015, a falta que faz a convicção do presidente. Não basta delegar.
Fernando Haddad, possível candidato e coordenador da campanha do PT, silencia sobre a culpa do governo Dilma pelo desastre econômico. Sem surpresas aqui. O problema é a ausência de reflexão e incapacidade do PT de modernizar sua agenda, diferente de outros segmentos da esquerda que buscam uma renovação.
Os “choques liberais” que Haddad promete não são observados em suas propostas, que são intervencionistas, imediatistas e superficiais. Lembram o governo Dilma, com improvisos, busca de atalhos e pouco apreço a diagnósticos cuidadosos. Distanciam-se bastante do primeiro mandato de Lula, que seguiu uma política econômica responsável e mais moderna.
Haddad tem o mérito de admitir a importância da reforma da Previdência, ao contrário de Marcio Pochmann. Suas propostas econômicas, porém, são incompreensíveis.
A proposta de elevar a tributação de bancos com juros mais altos reflete uma incompreensão das principais causas do spread elevado – inadimplência alta e cara devido à insegurança jurídica, carga tributária, crédito direcionado, dificuldade de acesso a informações e questões regulatórias – e de como funciona a economia. Se a medida for implementada – algo particularmente difícil por conta da complexidade do mercado de crédito –, a oferta de crédito diminuiria e o spread voltaria a subir com o tempo. Tiro no pé. Melhor implementar a agenda proposta pelo Banco Central para redução do spread bancário. Não precisa inventar.
+ Maílson da Nóbrega: Mais uma má ideia do PT – tributação do spread bancário
Outra medida equivocada seria a venda de reservas internacionais para financiar investimentos, o que demandaria mudanças nas regras que regem sua utilização. O impacto seria pontual e muito limitado, pois o problema do Brasil não é a falta de recursos, mas sim o pouco apetite para investimentos produtivos em um país caro e onde as regras do jogo são complexas e mudam com frequência.
Ao final da corrida, a esperança é que Bolsonaro tenha realmente mudado de opinião e que evite temas econômicos por reconhecer seu despreparo. E com Haddad, a esperança de que não consiga implementar o que pretende.
Fonte: “Estadão”, 27/07/2018